“You Are Forgiven”: Slow J no seu estado mais puro
Seja qual for a gaveta em que queiram meter a música multicêntrica de Slow J, certamente que a tentativa será infrutuosa. É impossível categorizar a expressão musical do artista nascido João Batista Coelho. No entanto, há algo que une os temas multifacetados deste músico: a tremenda empatia e sentimento que transmitem, despoletados pela voz de Coelho. A divinal dúvida e interessante incerteza evapora-se quando a ouvimos, é o seu melhor instrumento, e através do mesmo o músico consegue transmitir eficazmente uma miríade de emoções que transparecem fielmente, tornando claro para o ouvinte o que o artista sente tão intensamente.
Há algo na cadência e entrega de Slow J que faz com que seja simultaneamente terapeuta e paciente, deitado no divã e sentado na poltrona. Aliada a essa prestação vocal está a extrema honestidade nas palavras que Coelho declama, algo que se torna especialmente claro ao ouvir o seu mais recente álbum You Are Forgiven, aquele que é até à data o seu projecto mais emocional e tocante. O título alude a uma purificação da alma, ao perdão incondicional do eu que advém do começo de nova etapa. E o álbum que nomeia garante-nos que a música de Slow J continuará a prosperar, e a ser cada vez mais sua (e nossa).
Este projecto surge depois do início de uma das etapas mais ambiciosas da vida de Slow J: a paternidade. Mas ainda que este factor influencie o decorrer do álbum, não é o foco. A psique de Coelho é a protagonista, introduzido claramente em “Também Sonhar”. Munido de um falsete delicioso e ajudado pelas belas melodias de Sara Tavares, Slow J questiona o seu propósito agora que uma nova rotina se avizinha, sem nunca esquecer que o sonho é a alma da vida. É uma música discreta de epifania, ainda que subsistam algumas reticências. “Onde é que estás?” mostra isso mesmo, e de baixo intermitente e autoritário convida a uma dança cabisbaixa num barco à deriva que caminha até à certeza final: “Eu não vou passar daqui sem me encontrar”.
E nessa busca é importante a família, seja a de sangue ou a que encontramos, honrada em “FAM”. É um tema em que ouvimos Papillon e Slow J na frente da batalha e sussurros de Gson lá atrás na mistura do som, e as suas palavras descrevem o que nos une, seja qual for a nossa origem. Mas a caminhada tem, inevitavelmente, algumas “Lágrimas” à mistura. Nesta paragem chorosa, Coelho, volta a mostrar a facilidade inventiva com que mistura o tradicional com o que está na berra. Um piano soturno e uma guitarra portuguesa preenchem o eco ribombante deixado pelo bombo possante, e a sincera crueza com que a letra é entoada está em sintonia com a seriedade do instrumental.
Em “Teu Eternamente” o álbum atinge um dos seus auges emocionais. O tema é uma confissão entoada dentro de um subwoofer, e a intensidade do trap simboliza uma paixão ardente. Mas se neste tema vemos Slow J despido de armaduras, em “Só Queria Sorrir” vemo-lo carregar para a batalha sem medo. Num dia especialmente mau, é ao som desta potente música que Slow J recupera. Quando chegamos a “Muros” é já na victory lap. Sentimo-lo no momento mais confiante da sua carreira, com “Fé nessa merda, desde o contrabaixo”, um verso que é um throwback muito bem orquestrado e prova de que Coelho não esquece a caminhada que o trouxe até este momento.
Mas a vida é algo em constante construção e evolução. O importante é mantermo-nos em paz connosco mesmos, algo pelo qual Slow J clama na meditativa “Silêncio”. A guitarra lânguida ouve-se com notas suaves mas arrancadas e a sua voz soa mais confessional do que nunca. É o tema mais longo do álbum e Coelho justifica-o através do sentido relato que descreve, sobre uma culpa que o assolava desde pequeno e que se transformou num agradecimento por tudo o que a vida lhe trouxe. Já está tudo em paz mais uma vez, já se ouve o silêncio.
Com esta música, Slow J atinge a catarse e termina assim a viagem em que embarcamos com ele ao ouvir este álbum. Percebe-se de onde o artista surge e onde termina, é um álbum em que a música é o centro da acção mas há um conceito bem definido que une todos os temas. You Are Forgiven é um projecto em que se percebe que a multitude que é sinónimo de Slow J está mais vincada. É verdadeiramente um disco seu, mais do que tudo o que o antecedeu, um apogeu artístico que pressagia um futuro com muitos mais.