Os livros da vida do realizador Pedro Costa
Ao site da distribuidora cinematográfica NUMAX, o realizador português Pedro Costa exprimiu o caudal literário da sua eleição. Apresentando uma mescla de autores vários, como Dostoievski, Brecht ou o nosso Pessoa, associa-se a cada uma das obras uma breve menção sobre a sua importância. Uma lista que permite visualizar o cinema independente e direto deste lusitano de uma outra forma. Com mais sumo, com mais pormenor, com a consciência da influência literária numa tela a escala planetária.
“Let Us Now Praise Famous Men” (1941), de James Agee e de Walker Evans
No rescaldo do convívio com três famílias latifundiárias no condado de Hale, no estado norte-americano de Alabama, nasceu uma das mais influentes obras do século XX. Recorrendo à experiência em detrimento da ficção, assiste-se a um louvor feito à dignidade humana e a toda a sua expressão.
“Poesia Completa” (2010, compilação póstuma), de Georg Trakl
Na senda do alemão Friedrich Hölderlin e imbuído no movimento expressionista austríaco, o poeta Georg Trakl incide a sua obra numa visão crítica da sociedade moderna. Ocupado com a análise do desmoronamento desta, o europeu não se esquece de considerar a loucura, a velhice, a morte e a angústia inerentes ao desgaste racional na decomposição social.
“Blake and Mortimer” (1946-), de Edgar P. Jacobs
Emergindo na revista franco-belga Tintín, esta série de banda desenhada expressa as peripécias vividas por Philip Mortimer, um físico nuclear escocês, e pelo seu parceiro Francis Percy Blake, galês, capitão e oficial do serviço secreto. Ambos solteiros, embarcam numa série de aventuras policiais internacionais nas quais não faltam fragmentos de ficção científica. Apresentando-se como a versão francófona de Sherlock Holmes, configura-se como uma das séries essenciais para os fãs destes trabalhos que tanto têm de duradouros como de especiais.
“Poems and Songs” (1999, compilação póstuma), de Bertolt Brecht
Uma compilação da vasta obra de um dos mais notáveis dramaturgos da história da literatura. Bertolt Brecht foi um dos precursores do teatro social, não hesitando na crítica personalizada e latente a partir das suas peças. Organizada cronologicamente, esta antologia permite desvendar o desenvolvimento de um artista que se foi maturando conforme ia conhecendo e atuando no auge da sua irreverência e da sua existência.
“The Lines of my Hand” (1972), de Robert Frank
Apontada como uma autobiografia visual, trata-se da segunda obra do fotógrafo norte-americano. A partir da imagem e da simples fotografia, são desenvolvidas narrativas e conglomerações de registos, para além de inovadoras colagens e de importantes mensagens. Um livro determinante na conceção da fotografia como arte viva e fascinante.
“O livro do desassossego” (1982, póstumo), de Fernando Pessoa
A grande obra do heterónimo Bernardo Soares e que expressa tudo aquilo que era Pessoa “menos o raciocínio e a afetividade”. Os moldes desta confissão são os de um diário íntimo de um ajudante de contabilista na cidade de Lisboa nos anos 30. Opiniões, visões e divagações filosóficas, estéticas e literárias não são alheias ao decorrer da obra e são contrapostas à rotina do dia-a-dia. Pessoa no seu esplendor, em jeito de uma contabilidade expressiva de amor e de dor.
“Last Days of Mankind” (1918), de Karl Kraus
Um livro que transpira misticismo e que reconfigura todo o repertório do autor. A partir de uma fusão agregada de todos os géneros literários, Kraus compõe uma realidade decalcada da Primeira Guerra Mundial e denuncia subtis e inauditas referências de terror, orquestrando uma dor irrepresentável com uma originalidade implacável.
“Mi último suspiro” (1982), de Luis Buñuel
A compilação das memórias do cineasta espanhol Luis Buñuel, composta com o auxílio e a parceria de todo o sempre do guionista Jean-Claude Carrière. Este trabalho enumera as espontâneas entrevistas que deu em Espanha e no México durante os intervalos das sessões de trabalho, invocando as memórias e as palavras partilhadas então. Um pedaço importante de realização de um realizador que deu tanto pelo mundo e com o coração.
“The Mediterranean” (1966), de Fernand Braudel
Escrita pelo historiador francês Fernand Braudel, relata a história de um indivíduo e das relações estabelecidas com o seu meio circundante. A fluidez do enredo assume contornos particulares, circulando numa lenta transformação em ciclos constantemente retomados. Pelo meio, um capítulo unicamente historiográfico que enuncia os antepassados dos grupos e dos estados, para além da globalização assente na economia e nas civilizações mediterrânicas.
“Benito Cereno” (1855), de Herman Melville
Como é apanágio deste autor, a sucessão de acontecimentos deste livro ocorre com uma subtil maresia. Não obstante ser esquecido pelos tempos, Herman Melville não tardou em assegurar aos poucos o seu estatuto na história da literatura. Uma obra recheada de um terror misterioso associado ao seu mar e a mais um mergulho tão ambicioso.
“Du cinématographe” (1992, póstumo), de Jean Cocteau
Jean Cocteau, artista com um vasto leque de talentos e de concretizações, consagra várias estrelas do cinema clássico e realizadores num hino à sétima arte. Para consolidar esta sua dissertação, sustenta-se em filmes seus e de outros cineastas de nomeada. Tudo na tentativa de ilustrar o que de melhor o cinema tem para dar.
“Notes From Underground“ (1864), de Fiodor Dostoievski
Criação de um dos expoentes máximos da literatura, explana-se uma das primeiras manifestações existencialistas ao nível da ficção. Dostoievski entrega-se a uma afincada investigação sobre a consciência e disseca a expressão interna e externa do ser humano, ser humano esse com uma dimensão mental tão complexa e disfuncional. Um dos primeiros confrontos da razão e da consciência no dilema do esclarecimento de toda a existência.
“The Birth of Purgatory“ (1981), de Jacques Le Goff
Le Goff, conotado como um dos mais conhecedores medievalistas, aflora a noção do purgatório, utilizando os inúmeros recursos religiosos existentes à data. Definições, conceções e perceções combinam num purgatório que toma a forma de uma Índia ou de um Irão de então. Estabelecendo-se como o nível intermédio do pós-morte, não é descartada a menção a um inferno que assume a aparência do descrito pelos greco-romanos e pelos judeus no seu “sheol”. Como referência para a construção deste enredo, surge São Agostinho como o patronato do purgatório. Uma impressionante alusão a uma idade com tanta representação e visão de religião.