A herança de Karl Marx e Friedrich Engels
Karl Marx e Friedrich Engels foram dois dos principais teóricos, tanto no âmbito da filosofia, como da sociologia, que influíram grande parte das forças partidárias políticas de esquerda. Ambos germânicos, deram origem a uma série de tratados, ensaios, e obras sobre as forças opressores, e as classes subjugadas pelas mesmas, estando ambas relacionadas através dos meios de produção, e da produção propriamente dita. Em circulação, está o capital, recurso detido por poucos e carecido por muitos. Foi na tentativa de subverter essa situação, pouco depois do estalar da Revolução Industrial, que estes dois teóricos uniram esforços e ideologias, e redigiram algumas obras cruciais na definição daquilo que seria a abolição das classes após a luta destas.
No fim, os teóricos explanavam a solução do comunismo, um estado que se viria a metamorfosear num regime político. Na prática que a História nos apresentou, tornou-se um dos mais polémicos e discutíveis nos fóruns públicos, académicos, e políticos, por esse mundo fora, perdurando, ainda, em alguns deles. No caso de Portugal, este chegou a ver Vasco Gonçalves, membro do Partido Comunista Português, como primeiro-ministro português, em pleno Verão Quente, fase política muito conturbada no pós-25 de abril. Não obstante um mandato titubeante, o partido foi uma das forças desbloqueadoras da situação ditatorial, ao lado das forças do Movimento das Forças Armadas, do Partido Socialista (PS), e do futuro Partido Popular Democrático (depois Partido Social Democrata – PSD), grupos onde convergiram grande parte dos esforços da democratização política. Entre alas mais ou menos liberais, o Partido Comunista Português permanece hoje como um dos núcleos partidários mais conotados da atualidade política, ao lado dos eventualmente criados CDS-PP (estes ainda no efervescer do pós-25 de abril) e Bloco de Esquerda. É com esta, um partido também de esquerda, com quem, em conjunto com o PS, está a causar sensação nos órgãos de comunicação internacionais, com o acordo governativo que motivou a alcunha de “Geringonça“.
Porém, nada descarta a importância das crenças e ideias vertidas por Marx e Engels em obras, como “Manifesto Comunista” (da autoria de ambos, em 1848), ou “O Capital” (de Marx, 1867), tanto no plano teórico, como no prático, dando azo ao desenvolvimento de vários subtipos de socialismo e de comunismo, alguns deles associados ao anarquismo. Várias foram as interpretações, e proporcionais foram as tentativas de lhe dar vida. Porém, por detrás de toda esta exploração, está o que foi apontado e, verdadeiramente, escalpelizado por estas duas figuras proeminentes nos últimos três séculos.
O socialismo científico
Aliando uma tradição académica fortemente sustentada, a uma visão interventiva e assertiva sobre a sociedade, Marx e Engels prepararam uma teorização daquilo que eram as fundações sociais e produtivas do capitalismo. Como objetivo, e para além do utópico objetivo de visualizar o que seria uma sociedade ideal, procuraram perceber como se dava a acumulação do capital em alguns no fluxo da produção capitalista, desvendando os eventuais paradoxos na sua operacionalização. Como crença, partiam de um princípio de que o capitalismo seria desmantelado de dentro para fora, ou seja, a partir das suas lacunas. Detetando uma classe trabalhadora explorada e expropriada, apontaram o caminho para a formação histórica e social das suas consciências, e firmá-la como uma classe revolucionária.
Aquilo que cunharam como socialismo seria, no seu ver, uma charneira entre a abolição capitalista e a afirmação da sociedade comunista, etapa máxima da evolução antropológica e sociológica. Aqui, nas suas previsões, a sociedade estaria isenta de classes, não dando azo à existência da propriedade privada, e os poderes estatais estariam em segundo plano, privilegiando-se a igualdade entre todos os homens. As etapas que o viriam a formalizar foram escrutinadas em “O Manifesto Comunista”, reforçada pelo estudo do capitalismo por parte de Marx em “O Capital”. Teorias, como o materialismo histórico e dialético, a luta de classes, e a mais-valia, seriam as fundações da futura e putativa sociedade comunista. Importa realçar que um dos principais críticos desta estruturação sociopolítica seria o pensador Karl Popper, que a contrapôs com a sua “sociedade aberta“.
O materialismo histórico e dialético
Por detrás de qualquer proposta, tanto ao nível sociológico, como científico, como artístico, está uma análise contextual, contexto no qual aquilo que de novo se apresenta incide. Foi assim com Karl Marx, natural da cidade de Trier, e com Friedrich Engels, da vila de Barmen. Visualizando a sociedade e a economia num ponto de vista histórico, e naquilo que era a realidade do século XIX, o materialismo histórico, termo pelo qual é cunhado, mas que nunca foi usado por ambos, é uma metodologia de estudo. Esta procurou conhecer as causas das mudanças da sociedade humana, a partir dos meios pelos quais as necessidades de vida são construídas em coletivo. Estando a isto associado o trabalho, as diferentes classes sociais e as estruturas políticas existentes são consubstanciadas e explicadas por aquilo que é a atividade económica, e a produção propriamente dita. Esta torna-se no elemento-chave de toda a ordem social, determinando-se a partir de quem produz, de como se produz, e do papel que cada um assume no próprio processo produtivo.
A importância deste estudo se firmar numa toada dialética partiu do grego Heráclito, que influenciou o alemão Georg Friedrich Hegel. Para o helénico, tudo está em transformação constante, havendo dois pendores em cada objeto que se mudam mutuamente, sendo a antítese de uma eventual tese, isto é, de um dado elemento. Desta forma, tanto Marx como Engels acreditam num mundo em que, por força dos mecanismos capitalistas, os operários estão posicionados no lado oprimido, opondo-se aos grandes patrões. Assim como a morte nega a vida, fases, como a feudal, a esclavagista, e a capitalista, contêm em si as sementes do seu fim. Desta feita, as causas materiais que motivam a evolução dialética da história fundem aquilo que é a conceção do materialismo histórico neste discorrer de oposição entre dois elementos sociais contrários, que acabam superados por uma nova etapa da sociedade, em que os baluartes acabam por ser remodelados e reformulados ao serviço desta.
Esta conceção, fundamentalmente trabalhada por Marx, parte da teoria que apresenta a infraestrutura, – as condições e atores da produção – e a superestrutura – inclui a cultura e a estrutura sociopolítica de um país. A base material parte daquilo que é o resultado da dinâmica produtiva, isto é, daquilo que é o produto, e das suas transações e dos consumos. A materialidade acaba por ser um caminho que permite dar seguimento ao caminho humano, dando um fio coerente e lógico para as várias gerações. Esta fixação pela materialidade de Marx vai ao encontro da filosofia hegeliana, que inverte do idealismo para o materialismo. Para o alemão, as ideias seriam somente o reflexo daquilo que as classes sociais dominantes pretendiam transmitir, dando azo à sua consolidação ideológica. Esta construção é que, por sua vez, apresenta a realidade como um palco de consumo e de exploração produtiva, distante dos prismas religiosos e jurisdicionais, distante da afirmação pela produção cultural e artística, mas podendo, através desta, apresentar o mundo a seu bel prazer.
Desta feita, é tomado em consideração que a evolução histórica se dá, desde os primórdios das organizações sociais, com a exploração por parte de um indivíduo de um outro. Esta premissa acaba por permitir caraterizar as relações entre as diferentes classes sociais, que se foram formalizando e metamorfoseando conforme cada contexto espácio-temporal. Esta mudança dava-se pela mudança de uma das partes, quer ou dos meios produtivos, ou das próprias forças de produção. No feudalismo, os servos seriam oprimidos pelos grandes senhores, enquanto, no capitalismo, e na sua ótica, a classe operária acabava subjugada perante a burguesia. O apelo à luta do protelariado advém, precisamente, desta conclusão, perante as iniquidades e fragilidades do capitalismo, nascido no revés e na própria antítese do feudalismo. Estas preocupações laborais e sociais foram tomadas em conta nas diversas democracias europeias, mas também nos regimes corporativistas e autoritários do Sul da Europa, cambaleando entre interpretações mais ou menos radicais.
Ainda no que concerne ao materialismo dialético, este envolve-se naquilo que é a filosofia, e assinala a relevância do meio ambiente na modelação daquilo que são os seres vivos, e a própria cultura em que se enquadram, negando qualquer interferência divina nessa componente. Assim, e reconhecendo o pensamento como operante naquilo que é a sociedade, é da matéria, dos meios e mecanismos de produção, que se parte para a construção cognitiva, embora Marx negue a síntese hegeliana. No lugar desta, assiste-se à transformação da relação entre os elementos, que Engels não dissocia do que ocorre na Natureza. Tal como na Natureza, sujeito e objeto, os dois intervenientes numa dada ligação, não vivem um sem o outro, existindo a necessidade desta dualidade na prossecução marxista. Na essência, contudo, estão as contradições que a História traz na sua cronologia, que levam a que haja uma constante necessidade de superação, compreendendo a dinâmica sistemática da realidade. Na mudança, todas as áreas do saber, do fazer, e do compreender acabam influenciadas, digladiando perante o institucionalizado na política, na economia, na sociedade, e na cultura.
“The tradition of past generations weighs like the Alps on the brains of the living.”
Karl Marx, in “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” (1862)
A mais-valia e o modo de produção
Este conceito é mais um que é estudado por Marx, e que define aquilo que resulta da diferença entre o valor final da mercadoria resultante da produção, e o valor total dos meios de produção e do próprio trabalho. Assumindo-a como a base do lucro capitalista, o germânico convida as óticas dos economistas britânicos Adam Smith e de David Ricardo para a discussão da definição. A do primeiro perspetiva que o lucro é gerado pelo mercado, do binómio oferta-procura, que se afasta do próprio trabalho a partir dos diversos caminhos que a mercadoria final pode levar.De muito vale a própria propriedade privada do capital, pois o rendimento de um empresário não depende assim tanto do trabalho, mas mais dos investimentos efetuados. Já a do segundo, via o lucro como a sobra daquilo que os salários e as rendas totalizavam, que se ia comprimindo consoante a inflação dos valores de ambos.
A influência deste fez-se sentir no princípio do trabalho teórico de Marx, mas a influência sociocultural, e a dependência do lucro da própria produtividade levou-o a estudar uma nova fundamentação para o lucro capitalista. Tendo também em conta a mecanização produtiva, o valor de trabalho que cada um oferece torna-se mais abstrato, não se podendo averiguar tangivelmente aquilo que é o salário de cada trabalhador. Influenciadas pelo mercado, as origens do lucro moram na propriedade do capital, naquilo que cada empresário concentra e gera a partir das suas estruturas. Porém, a questão que levantou a indignação marxista centrou-se na divisão desse mesmo lucro, e naquilo que os operários beneficiavam deste. No final, Marx considerava o lucro como o excedente que resulta de uma relação social num dado contexto histórico e económico.
No que ao conceito de mais-valia concerne, foram destrinçados dois tipos de mais-valia, empreendidos pelos patrões para aumentar a sua taxa de lucro, sendo estes o tipo absoluto, e o relativo. Quanto ao primeiro, passa por aumentar a duração do dia laboral, e manter o salário; já o segundo, visa ampliar a mecanização do processo produtivo. Refutando a visão de Ricardo do que era o lucro, o germânico observa a maior disponibilidade dos patrões capitalistas para influenciar o lucro que auferem, tanto através do recrudescimento da produção, como do ritmo do trabalho. Mecanismos, como a supervisão rígida e apertada do trabalho, tornavam possível o aumento da produção das ditas mercadorias, sem necessitar de desembolsar mais para o pagamento dos vencimentos dos trabalhadores.
É neste prisma que assenta a visão marxista da economia, que, à data, critica o papel do juro como fonte de acumulação de riqueza por parte do patronato. Para Marx, este não é algo que decorre da remuneração normal do capital, mas sim de um pendor social, sendo uma forma pela qual a totalidade das mais-valias dos trabalhadores se vê gerida e redistribuída pelos capitalistas. Dos operários até aos concentradores do capital, as necessidades variam, porque urge a utilização do mesmo por parte dos primeiros para a sua sobrevivência, enquanto os segundos vão acolhendo e recolhendo o lucro, atendendo às necessidades e flutuações de mercado, e distribuindo-o de forma autónoma.
À geração da mais-valia, está associado o modo de produção, i.e. a forma como se organizam as forças produtivas, e as relações de produção entre os trabalhadores e os capitalistas. Exposto às evoluções ambientais, acabam por, em conjunto com toda a sociedade, atravessar por mudanças estruturais e conjunturais, alterando-se, com regularidade, a partir das classes emergentes e dominantes. Todavia, está-lhe inerente a definição dos processos, instituições, e ligações entre as partes envolvidas no desenrolar produtivo. No que toca ao parecer marxista, a estrutura económica da sociedade forma-se a partir dos meios de produção, fulcrais no estabelecimento das conexões entre as forças humanas de produção. Sendo o ser social que determina a consciência, as forças chegam a um ponto de rutura, em que, em tempo de se assistir ao seu desenvolvimento, este se vê obstruído pelas divergências nas relações. Estas constantes desadequações acabam por funcionar como a plataforma onde o antagonismo social se revela, partindo, indiretamente, dos próprios meios de produção. O filósofo, indicando a sociedade burguesa como o exemplo destas evidências, aponta o caminho para a já aludida superação pela luta de classes.
“The bourgeoisie has through its exploitation of the world-market given a cosmopolitan character to production and consumption in every country. To the great chagrin of Reactionists, it has drawn from under the feet of industry the national ground on which it stood. All old-established national industries have been destroyed or are daily being destroyed.”
Friedrich Engels, in “O Manifesto Comunista“.
A ideologia, a alienação e o fetichismo
No seio da observação marxista, a ideologia assume um papel importante, atuando como uma espécie de máscara daquilo que a realidade, de facto, é. Trata-se, por isso, de uma consciência falsa, advinda da própria divisão do trabalho manual do intelectual, e conduzida por vários pensadores que distorcem, com êxito, as relações de produção. A ideologia mostra-se como uma ferramente importante para as classes dominantes, convergindo em relação aos seus interesses, e revelando-se a partir das ligações estabelecidas nos recintos produtivos. Importa transportar estes recintos para aquilo que é a sociedade, assente pela própria estratificação nos locais de trabalho, e no auferir do capital. Esta perceção de Marx quanto ao conceito de ideologia, estando muito da sua visão associada à sua associação com Engels, com quem redigiu “A Ideologia Alemã” (1846), a primeira obra do duo, onde explana essa noção à luz da realidade do país. Os pensadores subsequentes viriam a conferir novas e atualizadas posições daquilo que é a ideologia, incluindo a revelação da conceção “latente” de Marx, da autoria do inglês John B. Thompson, que a via como a metodologia na qual as relações de domínio e de subjugação se davam.
A própria ideologia contribui para que, no seio do indivíduo, se assista ao desenvolvimento de uma caraterística, que é a alienação. Esta redunda na submissão inconsciente ao discurso ideológico das classes dominantes, assistindo-se a esta no próprio trabalho, acabando por se propagar até ao quotidiano, e por se entranhar na organização social. Marx refere também a alienação na burguesia, em que os indivíduos passam a idolatrar certos materiais ou posses (fetichismo), prescindindo-se do ser em detrimento do opulento ter. Para que o repertório material se constitua, é, pois, necessário o capital para o adquirir, dando a ideia de que este é capaz de oferecer tudo aquilo que um alguém pretende deter. A alienação acaba por partir da consciência para tudo o resto, alastrando-se até aos próprios modos e métodos quotidianos de produção e de transação.
O fetichismo tem, como coordenadas, uma inversão de papéis, atuando as coisas como pessoas, e vice-versa. O reflexo disso está, precisamente, nas próprias transações de mercadorias, produzidas por necessiades alheias, e com valores definidos pelo mercado. Desta forma, a figura humana atua com pouca diferenciação, seguindo as orientações mecânicas e económicas, cingindo-se a um papel de agente. Marx apoia a sua ideia de que, no capitalismo, a produção é mais autónoma do que o ser humano a partir deste exemplo, colocando em risco o papel do ser humano na supervisão e controlo das variáveis económicas. É neste contexto que, para o alemão, urgiria transformar a propriedade privada em coletiva, e findar o valor de mercado dos bens, tornando-se crucial o valor de uso. É por isto que acredita que, no seu entender, a economia política não se consegue soltar do fetichismo, sendo a produção algo natural, e que acaba por levar a que muitos economistas contemporâneos se dediquem afincadamente a avaliar as tendências de mercado como proeminentes na atividade económica atual.
A luta de classes
Na superação – ou na tese hegeliana – daquilo que é o status quo do contexto produtivo, apresenta-se a luta de classes, onde, no discutir das condições socioeconómicas, se dá o confronto das classes oprimidas em relação àquelas que detêm o controlo das forças produtivas capitalistas. Este tipo de luta seria aquele que estaria na origem das grandes revolução do percurso histórico até então, dando origem a que o padrão social se modificasse por completo. No caso analisado por Marx, as origens estariam na propriedade privada dos meios de produção, levando a que a sociedade se dividisse em proprietários burgueses e em operários. Os primeiros retinham a mercadoria produzida pelos segundos, que recebiam um salário de acordo com a qualificação que tivessem. Esta conjuntura levaria, no seu parecer, a que a luta de classes se desencadeasse, e desse origem à ditadura do proletariado, onde as classes seriam abolidas, e se assistiria a uma sociedade sem qualquer hierarquização e/ou fragmentação.
Esta luta desemboca naquilo que é o fim do capitalismo, e das próprias classes sociais, assumindo-se o socialismo como fase transitória do capitalismo para o comunismo. A proposta da abolição das classes seria, também, um ponto de partida para o nascimento do anarquismo, que visava findar qualquer tipo de poder estatal central. Para fundamentar a luta de classes até ao fim destas, Marx refere as sociedades indígenas americanas, que se orientavam por figuras simbólicas da sua cultura. Isto propiciava-se pela falta de excedente produtivo, levando a que todos os membros integrassem o processo de produção, e impedindo a formação de qualquer classe. Porém, mal se assiste à separação do homem da mulher, e da subjugação por parte do primeiro a esta, geram-se fundamentos para que essa luta se desenrole. Aliás, Engels discorre, de um ponto de vista antropológico, sobre a necessidade da mulher se emancipar, e se integrar na dinâmica social e produtiva, colocando o tradicional papel doméstico como algo complementar, ao invés de principal (“A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado“, de 1884).
As lutas de classes, por sua vez, sucedem-se quando o excedente justifica que isso aconteça, em que se assiste a jogos das classes dominantes para benefício próprio. Formulando-se e consolidando-se uma ou mais classes dominantes, as que se encontram na base da pirâmide hierárquica sentem a necessidade de se emancipar do jugo que explora o seu trabalho e o proveito financeiro consequente da atividade produtiva. Despoletando o conflito, depõe-se a(s) classe(s) do topo, e assiste-se a uma nova a tomar o seu lugar, de forma mais ou menos pronunciada. É esta dinâmica que Marx denuncia, e que aponta como a matriz de todas as convulsões revolucionárias de vulto no íntimo de uma sociedade.
A ditadura do Proletariado
Esta fase trata-se do derradeiro estádio da proposta de Marx e de Engels antes da afirmação plena do comunismo, em que o próprio proletariado assume o controlo do poder político, derrubando a cimeira figura do Estado, e gorando os princípios e meios capitalistas. Aliás, a própria União Soviética, encimada por figuras como Vladimir Lenine, Leon Trotsky, e Joseph Estaline, instrumentalizou e apresentou a mais próxima adaptação do modelo teorizado pelos alemães, apesar de acabar bastante enviesado em relação àquilo que os preceitos de Marx e de Engels apresentam. Estes serviram, sim, de fundamento a muitos dos estados que se declararam comunistas pelo globo, culminando nos sul-americanos.
Na teoria, apresenta-se como um estado democrático, no qual a autoridade pública é eleita por sufrágio universal, estando ela proliferada pelos trabalhadores. Na prática, os germânicos associam a própria Comuna de Paris do século XIX, que se seguiu à Guerra Franco-Prussiana, como um exemplo daquilo que é a ditadura do proletariado. Esta foi teorizada por Karl Marx, e, depois, complementada por Friedrich Engels. Primeiramente, Marx afirma que qualquer governo é, direta ou indiretamente, uma ditadura de uma classe em relação a outra(s), e que só poderia ser derrubado através da derrocada mais ou menos violenta dos pilares sociais desse figurino.
Assim, a ditadura do proletariado foi-se fundamentando na regulação criteriosa e rotinada dos diferentes indicadores socioeconómicos, incluindo os rendimentos. Aquilo que fosse necessário retirar para garantir a sustentabilidade da produção, e para manter uma fonte estável para eventuais seguros, seria extraido aos vencimentos, sem prejudicar a equidade apregoada. Para este europeu, o Estado tem a obrigação de cobrir as despesas administrativas, de agilizar recursos para a garantia da funcionalidade dos serviços públicos, e de assegurar a sustentabilidade financeira dos fisicamente impossibilitados de trabalhar. Aquilo que sobrasse das despesas internas, seria repartido devidamente pelos trabalhadores, de acordo com o esforço empreendido por cada um. De acordo com esta lógica, aqueles que realizassem lavoros mais complexos, ou se voluntariassem para esforços suplementares, deveriam de receber um valor ajustado a isso mesmo. Neste período, decorreria a cessação de qualquer vestígio capitalista, eclipsando-se no auge das suas contradições.
Por sua vez, Engels destaca a força e a violência como variáveis importantes na transformação revolucionária, uma vez que, só assim, as elites seriam obrigadas a desvincular-se dos seus privilégios. O pensador aproxima-se de Marx na assunção da força impulsionadora que o papel revolucionário traz, funcionando como um mecanismo de renovação e de superação do arcaico e do iníquo, sem nunca esquecer a importância da expressão virulenta e agressiva por parte dos oprimidos. Desta feita, é com mais radicalismo, e anunciando a importância de uma expressão firme e capaz de desarticular as doutrinas existentes, que apela a essa luta de superação e de transcendência material.
“The immediate aim of the Communist is the same as that of all the other proletarian parties: formation of the proletariat into a class, overthrow of the bourgeois supremacy, conquest of political power by the proletariat.”
Friedrich Engels, in “O Manifesto Comunista“.
O materialismo dialético na ciência
No amadurecer daquilo que é o materialismo histórico e dialético exposto acima, Engels tentou aplicá-lo à ciência, tendo, para isso, redigido, no ano de 1883, “Dialética da Natureza“, obra que não terminou. Abordagem presa àquilo que era a atividade científica, ainda sem as imensas evoluções fisico-químicas que conheceu, o alemão centrou-se naquilo que era o encarar dos dilemas intelectuais de então. Assim, foram várias as espécies de leis apresentadas, e que sumarizariam o trabalho científico até então. Entre elas, estava a da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa, onde se assiste a uma transição de fase, possibilitando que a mesma ocorresse no seio estrutural da sociedade – a relação entre os comportamentos da Física com as dinâmicas sociais formou a sociofísica. Na génese da ciência perspetivada por Engels, está a correlação da mão e do cérebro humanos, crescendo inseparavelmente e, ao seu estado de desenvolvimento, correspondendo a adaptação aos tempos. Um dos pontos curiosos que é estudado nesta obra do germânico é a caraterização dos vertebrados, que os vê munidos com um corpo influenciado pelo sistema nervoso, regulado pela crescente auto-consciência.
Karl Marx e Friedrich Engels propuseram, num ponto de vista materialista, historicista, e dialético, uma metodologia sociopolítica a partir da qual superar as iniquidades e as fragilidades do sistema capitalista. À luz da atmosfera social, que se expressou de formas replicáveis, mas com diferentes moldes, o par de pensadores declarou a luta de classes como essencial, tendo em vista a plena afirmação do comunismo. Não obstante as orientações e ideologias dos vários nomes que os sucederam, importa não descartar a repercussão atingida pelos escritos e ensaios de ambos, naquilo que é o estudo sociocultural e político da realidade, mas também no que são os diferentes contextos históricos que o tempo apresenta, e que não esconde os papéis desempenhados por cada um. Marx, mais criativo, e Engels, mais responsivo, foram, desta forma, duas mentes capazes de iluminar uma nova perspetiva, e que, de melhor ou de pior maneira, foram interpretados na prática por diferentes ramificações políticas, sustentadas em diferentes convicções. Mais do que as propostas e respostas, as investigações e as constatações de um mundo sociopolítico que, por mais que gire, suscite mais questões do que conclusões.
“The free development of each is the condition for the free development of all.”
Friedrich Engels, in “O Manifesto Comunista“