“A Morte de A a Z”, de Luís Afonso: a melhor maneira de reagir à morte é rir na cara dela
Luís Afonso (1965, Aljustrel), escritor e alentejano praticante, publicou este ano o seu terceiro livro de ficção na editora Abysmo, dedicado à memória de João Paulo Cotrim. Para quem, inicialmente, não reconheça o nome do escritor, possivelmente já leu alguns dos seus cartoons, visto que se trata de um dos mais importantes nomes dentro do género em Portugal. Quem nunca se deparou com o humor de “Barba e Cabelo” n’A Bola, “Bartoon” no Público ou “A Mosca” na RTP/Antena1?
Na última edição do FOLIO, em Óbidos, apresentou “Morte de A a Z” na estreante “Casa Abysmo” (Espaço Ó). Acompanhado pelo escritor Valério Romão que questionou Luís sobre a coragem de fazer rir os portugueses, e pelo actor Pedro Lamares (que marca presença na foto da contracapa deste livro) que brindou a audiência com a leitura de alguns dos 26 contos do livro. Com apurado sentido de humor (ao qual eu gostaria de chamar “escola alentejana”), referiu a ironia mórbida de se confrontar durante o processo de criação do livro com a perda do amigo João Paulo cotrim e mesmo com a sua própria mortalidade.
Num processo criativo original, o autor deste livro imagina os momentos finais de diversas personagens, que incluem mulheres, homens e animais. Estes “finais infelizes” são sempre marcados pela ironia, pelo absurdo e pelo humor acutilante. Consegue até aligeirar as mortes mais macabras ou inusitadas.
“Letra F – Fernando
Quando morreu, Fernando foi colocado directamente no Céu. Há quem diga que se tratou de um erro informático, mas também se levantou a hipótese de ter sido valorizada a sua vida honesta. Lá chegado, começou a procurar gente conhecida. Procurou, procurou, e nada. Foda-se, não conheço aqui ninguém, desabafou em voz alta. Como castigo pelo palavrão, acabou despejado no inferno, onde se encontravam todos os que procurava. Arderam felizes para sempre.”
“Morte de A a Z”, livro de Luís Afonso
Luís Afonso organizou alfabeticamente diversas possibilidades da morte, aplicando alguma ordem à sua imensa aleatoriedade. Isto sem ilustrações, porque gosta mesmo é de escrever. E, como o próprio gosta de frisar, desenhar dá muito trabalho, uma autêntica chatice na verdade. Luís gosta de criar na sua mente, e sente que a produção escrita espelha melhor as realidades que idealiza, numa tradução mais directa do pensamento. O autor demonstra nesta pequena obra que a melhor maneira de reagir à morte é rir na cara dela.