Entrevista. Luis Nassif: “Dentro do jornalismo, você tem dois personagens muito distintos: o jornalista e a empresa”
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“Aquele foi o melhor dos tempos; foi o pior dos tempos”. Se fosse para se escolher uma única frase a servir de epígrafe ao Brasil da última década, certamente esta, que abre o romance Um conto de duas cidades, do escritor inglês Charles Dickens, caberia com perfeição à sucessão de eventos que levou o país do paraíso ao pesadelo tropical. E que não tem hora para acabar.
“Dentro do jornalismo, você tem dois personagens muito distintos: o jornalista e a empresa. O jornalista tem que se aferrar aos princípios jornalísticos. A empresa usa a notícia como um produto.”
Luis Nassif
Dentre os muitos atores políticos desta tragédia está, na visão do jornalista brasileiro Luis Nassif, a imprensa tradicional brasileira. Autor de O Jornalismo dos anos 90 e do recém-lançado O Caso Veja. O naufrágio do jornalismo brasileiro, Nassif narra, nesta entrevista ao Fumaça, um panorama da imprensa brasileira e estadunidense das últimas décadas e suas implicações na política.
Segundo o jornalista, a imprensa brasileira passou pelo que chama de processo de “murdochização”. O termo é em referência ao magnata da mídia Rupert Murdoch, da NewsCorp. Considerado o último dos barões da imprensa, Murdoch comanda um império que inclui tabloides históricos como o Sun, de Londres, jornais econômicos como o Wall Street Journal e a Fox News, um dos principais canais de notícias do mundo, que se torna sua principal arma de guerra.
“A Fox News pega toda a retórica da ultradireita — discurso de ódio, guerra cultural, destruição dos inimigos, criação de um inimigo imaginário, até em cima dos impactos dos atentados às Torres Gêmeas — e com pretensões políticas de dominar o Partido Republicano. A ideia é a seguinte: não somos mais intermediários dos partidos, nós queremos ser o poder”, afirma Nassif.
Esse modelo, de acordo com o jornalista, é importado ao Brasil por meio do empresário Roberto Civita. Falecido em 2013, Civita era presidente do Grupo Abril, que edita a revista Veja, uma publicação semanal que se tornou uma espécie de “Fox News impressa”. “O Roberto Civita traz esse modelo de jornalismo de guerra, assassinato de reputação, guerra cultural e convence os demais do primeiro time a embarcar nisso por uma questão de sobrevivência”, conta. “E qual a ideia? Você tem que desarticular de tal maneira as informações, com mentiras daqui e dali, que você bagunça tudo, ninguém mais tem discernimento. Bagunçando tudo, o seu leitor vai acreditar em você, por mais absurda que seja a sua versão.”
Na entrevista, o jornalista analisou ainda o papel da imprensa tradicional durante a Operação Lava Jato e a relação do Partido dos Trabalhadores com os veículos tradicionais e independentes. “A Dilma queria vender uma imagem de paladina contra a corrupção. Queria se aproximar da mídia. E a Veja já estava desmoralizada com as denúncias que ela fazia, porque eram denúncias inverossímeis. A Veja começa a soltar denúncias e a Dilma convalidava na hora”, relata. “A primeira vez que eu entrei na lista negra do Ministério da Fazenda, com os técnicos proibidos de me passar informações, foi na gestão Guido Mantega no governo Dilma pelas críticas que eu fazia à condução da política econômica. O Banco Central e a Fazenda foram proibidos de me dar informação.”