Entrevista. Sónia Balacó: “Hoje em dia estamos pouco habituados a estar sozinhos e aborrecidos”
A terceira pessoa destacada na série “A quarentena dos escritores”, uma rubrica que agora termina no podcast “Ponto Final, Parágrafo”, é Sónia Balacó. A poeta, modelo, música e atriz — a artista — não teve grande dificuldade em ficar no ninho durante o isolamento e explica o porquê no episódio 31 do podcast. Redescobriu como era apenas estar, reaprendeu o ritmo do corpo e da mente e, claro, escreveu.
Com o livro de poesia publicado em 2015, “Constelação”, passou a poeta publicada. No episódio 21 do podcast, a poeta (como gosta de ser chamada, tal como Sophia de Mello Breyner, em vez de “poetisa”) disse que a escrita, que para ela é “casa, tábua de salvação, necessidade” e que a diverte profundamente, “surge do estar sozinho e do aborrecimento”.
Estas palavras proferidas em fevereiro deste ano continuavam com uma reflexão: “Acho que hoje em dia estamos pouco habituados a estar sozinhos e aborrecidos. Temos sempre estes aparelhos, estes estímulos, que nos entretêm, mas isso de alguma forma bloqueia outras coisas que podem surgir deste nosso aborrecimento.”
Com este novo episódio, Magda Cruz, autora do podcast, foi ver se ainda estão corretas. Na altura, terminou a ideia dizendo: “É tão importante sermos autossuficientes a esse nível. Se eu tiver papel e uma caneta está tudo bem. Não preciso de mais nada nunca.”
No seu look de quarentena (confortável pijama) foi lendo, meditando e escrevendo sobre o que sentia no “Diário de uma quarentena” no seu site. Nesse tempo, descobriu que podia escrever e dar festas ao cão ao mesmo tempo, mas não foi a única descoberta que fez sobre o ser humano. “Aconteceu-me uma coisa extraordinária, apesar do momento duro para toda a gente – ter de estar longe da família, pensar nas pessoas que estavam a sofrer em Portugal e no mundo. O que senti quando fui obrigada a parar quando a quarentena começou foi alívio. Foi uma sensação de que estava a andar a uma velocidade que não me era natural e agora já não era obrigada a fazer isso. Podia estar, só.”
Aprendeu a apenas estar. “Então foi como se o meu corpo todo relaxasse e eu voltasse a descobrir qual era o meu ritmo. É uma coisa que não temos desde a nossa infância ou adolescência: o nosso ritmo.
Mesmo sabendo que lida bem com o estar sozinha e que está bem com os livros e papéis, a quarentena confirmou isso mesmo: “Voltei a uma sensação muito antiga de criação, de tempo, uma clareza de raciocínio e de uma vontade de me entregar ao livro. Ou seja, não ter outras obrigações.” Durante a quarentena, Sónia encontrou a maneira de manter o estado de calma com meditação e a ouvir mais o corpo.
Desconfinar pode ser sinónimo de voltar a rotinas acompanhadas de ritmos demasiado desafiantes. Sónia pensa nas questões sobre a velocidade: “Pergunto-me se isso é certo. Não é certo para o planeta porque a maneira como estávamos a fazer as coisas antes não funciona, não é sustentável e estávamos a correr em direção a um abismo. (…) Devíamos ter aproveitado este tempo para pensar que talvez as coisas pudessem ser feitas de outra maneira.”
O dia 14 da quarentena de Sónia calhou a uma quarta-feira. Esse dia 25 de março foi de ponderação: “Os países que não estão a parar estão a colocar a economia à frente da vida dos mais frágeis. O que serve o quê afinal? A economia serve as pessoas ou as pessoas é que servem a economia?”, escreveu no site. Cinco dias mais tarde, uma única frase: “Estamos ainda entalados entre a economia e o futuro da espécie.”
Agora que a reabertura vai tomando proporções cada vez maiores, como se sente a poeta? “Sinto que soube usar esta «pausa» para pensar: no que fiz até aqui, no que quero fazer, no que é que é importante, no que é o meu ritmo natural. Acho que fiz essas questões todas. Não sinto que vá facilmente cair em hábitos anteriores, que sinto que não me servem, afinal”, conta a poeta. Os hábitos que lhe trazem coisas boas mantêm-se.
Foi sensivelmente a quarentena que dividiu uma e outra vez que veio ao Ponto Final, Parágrafo. Na primeira vez a que foi ao podcast, foi no estúdio da ESCS FM (rádio da Escola Superior de Comunicação Social) que a poeta falou de como foi crescer com as palavras, das primeiras coisas que escreveu e de como escrevia no masculino, de se sentir mais jovem que nunca. Agora a falar a partir de casa, vemos (e ouvimos) que o dia 45 da quarentena foi especial.
Para a poeta que preza tanto a liberdade, o dia 45 equivale a sábado dia 25 de abril, um dia que se passou com emoção. Nesse dia, escreveu no “Diário de uma quarentena”: “Que esta quarentena traga ao de cima o melhor de nós.”
A quarentena trouxe, então, o melhor de Sónia, que frisa um ponto importante, sem romantizar a situação: “Eu falo de um sítio de privilégio, em que pude ficar em casa. Houve imensas pessoas que tiveram de continuar a trabalhar. Consegui fazer dessa pausa algo que me fez bem, mas tenho a noção de que é um sítio de privilégio. Não estamos aqui para dizer que foi tudo rosa.”
Os poemas que escreveu durante a quarentena não formarão um livro – pelo menos agora, já que as palavras registadas não morrem. “Na quarentena, acho que não escrevi poemas suficientes para um livro, mas surgiram ideias para livros.” Para já, Sónia não revela muito mais quanto aos livros, mas sabemos que o tempo e o pensamento criativo trouxeram ideias também para séries. “Uma coisa que aprendi sobre mim na quarentena foi a minha capacidade de trabalho, no que diz respeito à escrita, de uma forma continuada, o que é sempre uma vitória”, confidencia.