Escapismo: quando é que podemos estar cá?
Agora que somos assombrados pelas notícias não tão boas sobre a realidade, não será a altura certa – para quem ainda não o faz – para nos dedicarmos ao “Escapismo”?
É preciso evidentemente haver um equilíbrio entre a realidade e a tentativa de escapar dela mesma. No entanto, por exemplo no mundo do cinema, vemos filmes que nos levam para argumentos baseados em factos reais como Goodfellas, de Martin Scorsese ou 12 Years a Slave, de Steve McQueen, mas também existem, entre outros géneros, filmes de ficção científica que nos ajudam a ver outra realidade e nos esquecermos daquela em que vivemos, como Blade Runner, de Ridley Scott ou 2001: A Space Odyssey,de Stanley Kubrick.
Esta capacidade de ver além de ti mesmo, também cria uma possibilidade de sonhar, oferecendo uma abertura maior à mente humana. Mas não é só nos filmes que isto acontece. Ultimamente nas séries tem-se recriado ambientes, comportamentos, e acções dos anos 80. Para quem não viveu neles, aquela atmosfera torna-se muito curiosa, uma nova existência de um mundo que está a ser visto pela primeira vez. Séries como Red Oaks, Stranger Things ou Chernobyl são bons exemplos disso.
Comecei a pensar na ideia e importância do escapismo como forma de estar e a tendência constante em menosprezá-la. É um comportamento bastante recorrente entre algumas pessoas, que afastam certos filmes, livros, músicas, etc, que nos permitem transpor para outras realidades em que não existem tantos laços, como a realidade em que vivemos.
Alguma vezes parece que existe uma certa resistência e desconfiança em relação a obras que de não te façam confrontar com os teus próprios comportamentos e os comportamentos do mundo onde vives. Algo recorrente por exemplo em filmes dramatáticos como Citizen Kane, de Orson Welles, que te questionam imediatamente sobre a tua percepção de ti mesmo, em oposição a filmes de fantasia como Pan’s Labyrinth, de Guillermo del Toro, que antes de sequer existir alguma coisa, parte-se do princípio que é logo mais desinteressante, menos inteligente e profundo. Mas a realidade é que as obras que nos levam ao escapismo também conseguem trazer de igual forma pensamentos profundos e questões pertinentes. Exemplos de obras que conseguem fazê-lo e que se tornaram importantes para um grande número de pessoas como Star Wars, Game of Thrones,Lord of the Rings e Harry Potter.
É engraçado como constantemente vamos até ao passado ou futuro, falamos daquela realidade, ficamos nos filmes, músicas e livros que constantemente nos mudam de tempo e espaço e cada vez mais temos que lhes dar mais valor, pela habilidade de conseguir desviar a mente humana para além daquilo que é esperado. O ser humano é bastante complexo, a cultura adensa mais as diferentes formas de ser ou estar, e se a realidade fala mais alto para uns, para outros existe possibilidade de escapar.
O escapismo é um conceito que se encontra na vida humana há muito tempo, que atravessou obras clássicas, que celebram grandes heróis e grandes histórias como a Odisseia e a Ilíada.
O escapismo contém alguma coisa da realidade e essa realidade por si só não é completamente pura, também pode ter elementos vindos da imaginação. Escapar através da imaginação não significa necessariamente que não se leve a vida seriamente. Temos autores que através das suas obras o comprovam, como: Stapledon, Orwell, Huxley, Thomas M. Disch que criam narrativas que falam de realidades distópicas, e que nem por isso são menos sérias que um livro biográfico sobre as memórias de guerra.
A predisposição de ver o belo, que é definido por cada um, pode ser feito através da arte que nos faz transformar a nossa própria existência. Há momentos óbvios em que queremos viver noutra dimensão, longe da nossa própria consciência. A imaginação pode levar-nos para onde quisermos estar, independentemente do final ser ou não ser bom. Deixo assim alguns exemplos de obras e autores que nos fazem ver além e que nos deixam sair desta dimensão as vezes que quisermos.