Globalização e apatia em ‘swipe’

por Marta Vicente,    25 Maio, 2018
Globalização e apatia em ‘swipe’
Alexis de Tocqueville
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Vivemos num paradoxo interessante: enquanto somos empurrados para o processo da globalização, de forma apressada e inevitável, a nossa apatia, face ao mundo que nos rodeia, atinge níveis sem precedentes, num ‘swipe’ incontrolável. É como se todos habitássemos uma fronteira que separa o nosso confortável “ocidentalismo” de outras realidades e só arriscássemos pisar o lado de lá quando esse mesmo conforto é, de alguma forma, ameaçado. É um processo tão perturbador que, no limite, se poderá assemelhar à contradição encontrada por Alexis de Tocqueville entre o caminho inevitável das sociedades para a igualdade e consequente formação de Estados despóticos. Acontece que, enquanto este autor clássico retratava o mundo das revoluções e do surgimento da opinião pública alimentado pela ânsia e euforia humanas, a realidade é, hoje em dia, oposta – sem ânsia nem euforia.

Refiro-me à informação que vemos diariamente no nosso Facebook, às notícias que passam na televisão, à aplicação do jornal digital que temos no nosso telemóvel, às pesquisas que fazemos no Google e ao facto, contrastante, de nunca termos tido tanta preguiça para ir votar, de nos deixarmos arrastar pelo discurso populista, de Israel ter de ganhar a Eurovisão para abrirmos os olhos face aos atos desumanos que têm vindo a ser cometidos na Palestina. O mundo digital reduz o globo à Europa e à América que, para além do cinema e das Netflixes, nos diverte com o Twitter de Donald Trump.

Para além da Internet, os média são outro fator que pouco – ou mesmo nada – contribui para uma assimilação sincera e pluralista do mundo. Muitas vezes associados a ideologias políticas específicas e exclusivamente comprometidos com a máquina capitalista e das massas, esquecem-se do papel independente e de investigação que deviam assumir. De novo, os casamentos reais e o futebol são destaque a toda a hora, encobrindo a realidade daqueles que fogem, atualmente, da violência e perseguição dos regimes da América Central. É a “velha” história que dita que só falemos da Síria quando temos a sua população à porta ou quando Paris é atacada.

Considero, ainda, que o discurso proferido em torno da Europa funciona como agravante a esta bolha onde nos estamos a afundar. Enquanto o caos interno se instala com a saída do Reino Unido, continuamos a acreditar que vivemos no continente responsável pela concretização dos direitos humanos e da democracia – mesmo negando casa, ou respondendo de forma insuficiente, a quem foge da guerra. Concentrada no seu umbigo, a Europa debate-se, agora, com base no que os líderes políticos intitularam de Livro Branco, e que, entre o problema da dívida pública e dos mercados internacionais, da demografia e da segurança dos 27, pouco espaço sobra para discutir aquilo que pode realmente fazer em benefício daqueles que lhe ultrapassam as fronteiras.

Quer se defenda ou não o fenómeno global, é unânime que é impossível escapar dele. Expressa-se a diferentes níveis: económico – com Martin Wolf a reduzir a sua parte principal à realidade dos mercados –, cultural –  com a crença ocidental na superioridade dos seus valores – e político – com a ascensão da extrema direita que promete ser a “salvadora da pátria”. Não falta, de facto, o que salvar e, apenas por isso, o discurso populista sobrevive, atenuando o medo do seu povo. Desde o desemprego à desestruturação familiar, passando pelo problema de sustentabilidade do Welfare State e da exclusão de minorias, a globalização é uma espécie de mão invisível na regulação do mundo, como a que Adam Smith descrevia quando ainda nada disto era real.

O ponto está em saber se iremos deixar que o conformismo tome conta da nossa vida; está em saber se o gesto simples de abanar a cabeça irá dominar-nos – porque isto é aceitarmos o bom e o mau do processo global com leviandade. Numa época em que tudo, ou quase tudo, se encontra à distância de um clique, acredito que a mudança se pode formar em cada um de nós – por aquilo que lemos, vemos, ouvimos. E parece-me ser urgente essa mudança, para não sermos, lenta e inconscientemente, arrastados para uma sociedade onde o progresso tecnológico e científico, o capitalismo e o desejo de poder se sobreponham a valores humanos. Se, como eu, o leitor considerar que esta já é parte da realidade dominante, a mudança que referi é, então, ainda mais pesada e alarmante.

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