Grego Antigo – um regresso urgente à escolaridade portuguesa

por Frederico Lourenço,    29 Maio, 2018
Grego Antigo – um regresso urgente à escolaridade portuguesa
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Ficcionista, ensaísta, poeta, tradutor, Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963, e é actualmente professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Traduziu a Ilíada e a Odisseia de Homero.

Em 1910, havia no mundo 600 milhões de cristãos. Hoje, esse número ultrapassa os 2,8 mil milhões. O mundo está a abarrotar de aderentes de uma religião cuja Escritura – o Novo Testamento – foi escrita em Grego Antigo. Nunca entenderei por que razão a língua grega não é ensinada em todas as escolas, universidades – e locais onde se ministra «catequese» (seja ela catequese católica, «escola dominical» protestante – ou seja o que for). Como é possível 2,8 mil milhões de pessoas confiarem em traduções necessariamente imperfeitas da sua Escritura? Quem tem noção do que está a rezar quando reza o Pai Nosso? Quem percebe que o motivo pelo qual comunga todos os domingos tem a ver com a escolha de um tempo verbal (em detrimento de outro) numa frase específica do Evangelho de Lucas? Só quem se deu ao trabalho de estudar Grego Antigo pode ter alguma noção do que está em causa nestas frases.

Quando me perguntam qual é a principal razão pela qual os Estudos Clássicos não devem morrer no sistema educativo do mundo cristão, a minha resposta é sempre: o Novo Testamento. Não confiem nas traduções. Sejam cristãos exigentes e esclarecidos. Aprendam a língua em que a Escritura cristã foi escrita e leiam-na por vocês mesmos, com os vossos próprios olhos, com o vosso próprio cérebro: cheguem às vossas conclusões pessoais sobre o que estão a ler. Não confiem na «papinha» já feita por outrem. Nada substitui o confronto directo com o cerne da questão.

Por outro lado, estudar Grego Antigo abre muitas outras portas. Ler, na língua original, Homero, Platão e Aristóteles – ou Ésquilo, Sófocles e Eurípides – ou, Tucídides, o mais inteligente de todos os historiógrafos: isto corresponde a uma competência e a uma mais-valia de valor insubstituível. Como é possível que tenhamos chegado, em Portugal, a este ponto de auto-ódio que é a negligência com que o Grego tem vindo a ser tratado nas últimas décadas?

Digo-vos sinceramente: quando leio os programas de Grego Antigo actualmente em vigor no Reino Unido para o equivalente ao nosso 9.º ano, coro de vergonha. Como aceitámos ficar neste analfabetismo no que toca às Línguas Clássicas? Como se explica que não percebamos – nós e quem nos governa há décadas – aquilo de que estamos a privar geração atrás de geração? Como pode uma competência básica, basilar, alicerçante ter desaparecido do panorama do nosso ensino? Como se explica que sejamos um povo que nem vê este buraco hiante na formação escolar?

Com carácter de urgência: o Grego Antigo tem de voltar em força às nossas escolas e às nossas universidades. Sejamos exigentes: não deixemos que outros pensem (ou traduzam) por nós.

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