IDLES: long live the open minded
Ouvir uma banda a acabar um concerto com a frase “vocês foram o melhor público do mundo” não é muito incomum. O que não quer dizer que seja sempre assim tão divertido. É verdade que não há nada de fundamentalmente errado em fazer uma coisa dessas; é uma espécie de pró-forma ao qual muitos artistas aderem de uma maneira quase inconsciente, sem que se pense muito sobre o assunto. O problema é que as palavras podem perder o seu significado se forem repetidas exaustivamente… Mas quando Joe Talbot, o carismático vocalista dos IDLES, exclamou “Porto, I really don’t think we can name a better crowd than you”, numa fria noite de segunda-feira tornada escaldante na sala 2 do Hard Club, foi fácil acreditar nele.
Isto não só porque o mosh se fez sentir com tremenda intensidade logo desde a primeira música. E não só também porque vários crowdsurfers saltaram do palco para os braços do público com uma energia extraordinária durante todo o concerto. Foi fácil acreditar no amável Talbot porque tudo – desde as expressões de inegável alegria e êxtase estampadas nos rostos dos membros da banda de Bristol às letras cantadas a uma só (incrivelmente potente) voz por todos os presentes – pareceu apontar para uma comunhão arrepiante entre este que é um dos grupos de punk mais importantes da actualidade e os seus fãs. Durante duas horas, os IDLES comunicaram com pessoas que entendem exactamente quem eles são e aquilo que querem dizer.
Este grupo que não poupa nas palavras e há muito perdeu o medo de se exprimir. “Colossus” e “Samaritans” – duas das obras-primas do novo disco Joy as an Act of Resistance – lançam um ataque feroz à masculinidade tóxica e condenam com uma ironia arrebatadora os seus efeitos nefastos. Estas são faixas que constituem um poderoso murro na mesa contra uma mentalidade tipicamente arcaica onde a ideia de um homem reprimir os seus sentimentos ainda tem cabimento. “Danny Nedelko” é um apelo à união e à tolerância disfarçado sob refrões que se colam ao cérebro num instante. Versos como “My blood brother is an immigrant / a beautiful immigrant” ou “Fear leads to panic / panic leads to pain / pain leads to anger / anger leads to hate” tornam a mensagem bem clara – em tempos de urgência, os IDLES não se perdem com rodeios.
Esses versos e muitos outros foram cantados com paixão pelas pessoas que ajudaram a fazer do concerto um dos melhores do ano. Dizer que o ambiente foi electrizante mal faz justiça à noite que a jovem banda proporcionou: se o público já se mostrava entusiasmado com o duo JOHN – o acto de abertura que trouxe consigo uma sempre bem-vinda e afinada dose de pós-punk – a catarse foi total quando chegou a hora de os IDLES se apresentarem.
É sabido que o punk nasceu com um nível de compromisso social enorme, e é excelente ver uma banda como os IDLES a ser hoje um dos nomes mais reconhecidos e respeitados dentro do género. É excelente ver um grupo que tem tanta vontade de desmontar preconceitos a ser apreciado pelos críticos e a ser devidamente ouvido. É excelente ver o seu baterista a usar uma camisola com a frase “safe gigs for women” sem estar a ser irónico e sem querer ser engraçadinho. E foi excelente a resposta do Hard Club à sua música. Foi excelente ver Joe Talbot apontar o dedo à discriminação e ouvi-lo declarar “long live the open minded” de pulmão cheio.
Os IDLES são precisos na cena musical hoje mais do que nunca. O grupo agradeceu o apoio incansável das pessoas no fim do concerto e deixou no ar a promessa de regressarem para o ano. Esta é uma daquelas promessas que tem mesmo de se cumprir.