Nunca é tarde demais para os clássicos de Steve Monite

por Francisco Espregueira,    25 Maio, 2022
Nunca é tarde demais para os clássicos de Steve Monite
Capa do disco
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Sons de sintetizadores espaciais são disparados para o céu noturno e ondulam incessantemente, mantendo corpos em movimento. Volvidos quase 40 anos, a londrina Soundway Records reedita Only You, de Steve Monite, e mantém-nos a mexer com sonoridades imperdíveis que foram amplamente ignoradas aquando do seu lançamento, em 1984. A morar atualmente no sul de Londres, Monite nasceu em 1961 e cresceu em Benin City, capital do estado de Edo, no sul da Nigéria.

A música do astro nigeriano atravessou uma época em que o cenário cultural do seu país estava em rápida mudança. No final dos anos 70 e início dos anos 80, depois do fim de uma ditadura militar e do boom do negócio do petróleo, a Nigéria foi inundada de dinheiro — e discos ocidentais. Todos queriam algo diferente: o highlife, género musical dominante, ficou visto como ultrapassado e a elite cultural passou a procurar novidades inglesas e americanas. Monite surfou a onda e viajou para Londres. Falhando na missão de encontrar uma editora no Reino Unido, a divisão da EMI no seu país acabou por emparelhá-lo com o lendário produtor Nkono Teles e, de um momento para o outro, os trabalhos de produção de Only You começaram.

Nkono Teles havia vivido uns tempos em Nova Iorque, onde a música disco e a instrumentação com recurso a sintetizadores ecoavam pela noite. A janela de oportunidade ficou aberta e a mistura de ritmos nigerianos com estes elementos e outras influências vindas do ocidente tornaram-se evidentes no processo criativo de Teles. O uso de sintetizadores, com especial destaque para o Moog que se ouve em “Only You”, acabou por ser essencial para conferir texturas completamente diferentes daquelas a que o público nigeriano estava habituado.

Para além de “Only You”, Steve Monite escreveu mais três canções: “Welcome My Love”, “I Had A Dream” e “Things Fall Apart”, que formaram a base de seu único álbum, representam a convulsão social que a Nigéria vivia em 1983, com uma vaga de fome e consequente emigração a fustigar o país. “Things Fall Apart”, em específico, documenta o fim de uma era. A classe média esmagada, uma nação culturalmente virada do avesso, na ressaca de anos de descoberta e abertura ao mundo. Only You foi lançado pouco depois, em 1984, mas acabaria por cair no vazio. A falta de um público-alvo, emigrado e disperso, condenou o brilhante trabalho de Monite e Teles ao esquecimento.

Foi com surpresa que, mais de 30 anos depois de ter lançado o seu único trabalho, Steve Monite se apercebeu que “Only You” se havia tornado num fenómeno de culto entre um público cada vez maior de aficionados por reedições de discos antigos e distantes geograficamente. Este revivalismo traz um final feliz para a arte de Steve Monite, que descobriu a sua própria fama pela sua vizinha em Berkshire. Only You é um disco absolutamente fantástico, reeditado em vinil pela Soundway Records.

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