Pedro Nunes, o matemático dos Descobrimentos

por Lucas Brandão,    11 Janeiro, 2017
Pedro Nunes, o matemático dos Descobrimentos

Pedro Nunes foi um dos primeiros nomes na difusão e na investigação científica no país mais a ocidente na Europa. Desenvolvendo o seu trabalho na época dos Descobrimentos, revelou-se primordial na instrumentalização das diferentes viagens encetadas pelas tripulações lusas. Apesar de formado em Matemática, foi muito além da sua área de estudos, caminhando lado a lado com as progressivas inovações científicas europeias. Um dos nomes da Ciência que deu luz às portas europeias do Atlântico, sendo o farol em ciência e engenho de todo o empreendedorismo náutico.

Pouco é conhecido da infância de Pedro Nunes, sabendo-se somente que nasceu em Alcácer do Sal em 1502 e que tem ascendência judaica, tendo familiares seus sido perseguidos pela Inquisição. O português teve de estudar fora de portas, ingressando com 19 anos na Universidade de Salamanca. Depois de dois anos de estudos, licenciou-se em Medicina na Universidade de Lisboa, esta que seria transferida para Coimbra e renomeada Universidade de Coimbra. Como a Medicina de então exigia o domínio da Astrologia, da Astronomia e da Matemática, tornou-se também versado nessas áreas. Depois de obter o seu grau de formação, continuou a deter-se nos estudos médicos, para além de lecionar diferentes disciplinas na Universidade onde se graduou. Entre estas, chegou a dar aulas de Moral, Lógica, Filosofia e Metafísica.

Em 1537, data da mudança da Universidade de Lisboa para Coimbra, Nunes acompanhou esta migração e passou a lecionar a disciplina de Matemática até 1562, deixando a profissão aos 60 anos. Importa reforçar o caráter inovador desta unidade curricular, sendo criada então para o fornecimento de instruções técnicas essenciais para a navegação. Este pendor náutico da formação prendia-se com os Descobrimentos, época de expansão territorial e de desbravamento marítimo. Estima-se que Christopher Clavius, importante matemático de origem alemã, tenha sido um dos alunos e principais discípulos das diretrizes do luso, embora tenha sido mais abrangente nos mais distintos caminhos matemáticos. A Matemática como disciplina viu-se independente das outras somente em 1544, tendo como pioneiro na sua formação precisamente este matemático. Neste âmbito, procurou resolver um dilema que se vinha eternizando na vertente da Geometria e que era concernente a encontrar o dia cujo amanhecer fosse o menor em duração e determinar a extensão desse mesmo dia. Apesar de não ter grandes repercussões futuras, tratou-se de uma descoberta que, mesmo sem recorrer ao incipiente cálculo diferencial (aplicado às variações de grandezas e à acumulação de quantidades), mostrou as potencialidades científicas do português.

No campo da Cosmografia, foi nomeado Cosmógrafo Real em 1529 e foi o primeiro Cosmógrafo-mor em 1547. Estas funções consistiam no estudo do Universo como um todo e na sua articulação com a navegação marítima (aliando-se à Cartografia) e na supervisão e aquisição de competências e conhecimentos geográficos e científicos. Assim, foram muitos os instrumentos que passaram pelas mãos de Pedro Nunes, este que se responsabilizou em várias ocasiões por avalizar e por certificar o rigor científico e tecnológico dos mesmos. Esta colaboração com as mais altas instâncias monárquicas não se ficou pelo campo da cosmografia mas também chegou ao relacionamento direto com a família régia. Com somente 29 anos, em 1531, foi encarregue de educar os irmãos mais novos do rei D. João III, entre eles o futuro cardeal e rei Henrique I; anos depois, apoiou também D. Sebastião na sua formação.

Pedro Nunes colocou os seus recursos ao serviço do desenvolvimento da Ciência durante a primeira metade do século XVI. Este foi um período de transição durante o qual a Ciência abraçou o aspeto mais prático e experimental nas suas iniciativas. Os cientistas de então eram normalmente figuras que se concentravam em comentar e analisar trabalhos de autores de gerações precedentes. No entanto, matemáticos futuros, tais como René Descartes, Isaac Newton e Gottfried Leibniz, colocariam o ênfase em experimentar e testar hipóteses para a recolha de dados e para a sucessiva construção de conhecimento. Por sua vez, Pedro Nunes foi um dos últimos cientistas meramente teóricos, estando o seu método ligado a comentários de obras proeminentes do contexto científico de então. Um exemplo desta abordagem é o seu primeiro trabalho “Tratado sobre a Esfera acerca a teoria do Sol e da Lua” (1537), sendo este uma tradução adaptada dos escritos em latim de Ptolomeu e que abrange ideias relevantes de base para as viagens empreendidas. O seu corpo teórico foi aprumado com “Tratado em Defensão da carta de marear (1539) e “Tratado sobre certas dúvidas da navegação (1547), obras da sua exclusiva autoria.

Como uma das premissas da sua personalidade científica, o português acreditava na necessidade de partilha do conhecimento para o benefício mútuo das diversas áreas do saber e do atuar. Desta forma, fez questão que todo o seu trabalho, em essencial traduções com adendas da sua autoria, fosse publicado em português, em latim e em castelhano, embora fossem estes os grandes adversários de Portugal na supremacia marítima. As suas obras latinizadas tinham como objetivo alcançar a comunidade académica de toda a Europa, em especial os grandes pontos de ebulição científica.

Como referido acima, também parte do trabalho de Pedro Nunes viu cruzado com os intentos marítimos lusos. Este envolvimento tornou-se valorizado com as suas descobertas e apontamentos, coisas que foi descortinando no seu estudo. Por exemplo, foi Nunes o primeiro a aperceber-se que um navio, no seguimento de uma rota fixa, encaminhava-se numa chamada “linha de rumo”, sendo esta uma espiral denominada loxodrómica. A obra acima mencionada alude a esta novidade, sendo a loxodromia o trajeto mais simples e que normalmente se emprega nos mapas que apontam acidentes geográficos como referência. Seguir esta linha tem a mesma lógica de seguir uma rua contornando os diferentes quarteirões. Este fenómeno só se pode constatar graças à constituição esférica do planeta.

Para além deste apontamento, o português reforçou a importância de uma carta náutica dispor de circunferências paralelas e de meridianos, tudo isto para facilitar a compreensão dos mares navegados. Também no esforço de reforçar a qualidade cartográfica e a precisão das rotas, Nunes tentou incluir a sua base matemática na tentativa de identificar e utilizar métodos rigorosos para descortinar a posição de uma certa embarcação e de definir latitudes. Estes métodos foram usados com sucesso pela parte do navegador D. João de Castro nas sua travessia pelo Mar Vermelho e nas suas viagens a Goa. Apesar de não ter desenvolvido materiais auxiliares à navegação, o português concebeu alguns instrumentos tais como adaptações ao quadrante e, em especial, o nónio. Este é um dispositivo de medição de minutos de grau (i.e. de ângulos), possibilitando o planeamento de viagens com uma margem de erro estreita para a altura.

O matemático, no rescaldo do trabalho desenvolvido sobre os postulados de Ptolomeu, cruzou a Mecânica com a Cosmografia, sem descurar a Matemática. Desta feita, e mesmo tendo aperfeiçoado o modelo geocêntrico, acabou por perder pertinência diante da visão emergente do polaco Nicolau Copérnico, que propôs o heliocentrismo. A única referência que Nunes fez ao trabalho deste foi uma nota na qual expressou a lisura matemática da sua proposta.

Pedro Nunes foi um dos principais rostos da ciência portuguesa, sendo um dos pioneiros no cruzamento da matemática com os mares. Com um património cognitivo que se sustentou nos tratados que deixou, foi numa ambiência prática que toda a sua influência se fez sentir, em especial nos materiais usados pelos navegadores nacionais. O contributo referencial que conferiu tornou-se transversal às diferentes expedições territoriais, tanto por terra como por mar, e no estudo do planeta numa perspetiva geográfica e cosmográfica. Deixando as bases para conotadas gerações futuras de cientistas, Nunes auxiliou na criação de um esplendor sem barreiras num mundo com cada vez menos fronteiras.

 

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