Prosa no Ar. Ensaio sobre a Cegueira

por ESCS FM,    30 Outubro, 2022
Prosa no Ar. Ensaio sobre a Cegueira
Design: Inês Trinca

Para começar a nova temporada deste ano letivo 22/23, o Prosa no Ar leu durante o mês de outubro a obra “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago. Começamos, assim, por juntar a celebração dos 12 anos da ESCS FM, ao publicar este primeiro Prosa no Ar na semana de aniversário da rádio, com o centenário de Saramago, que se celebra no próximo mês, a 16 de novembro.

Nesta distopia, é-nos inicialmente apresentada uma personagem, um homem, que, enquanto está ao volante do seu carro, parado num semáforo vermelho, cega subitamente. Uma cegueira que o autor diz ser distinta de outras por ser uma “insondável brancura”, uma “brancura tão luminosa, tão total, que devorava, mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias coisas e seres”.

Não existe uma explicação biológica para este estranho fenómeno, nem é conhecida uma cura. E, como tal, a cegueira propaga-se rapidamente, ficando cegos todos aqueles com quem o Primeiro Cego teve contacto. O Governo decide, então, isolar num manicómio todos os infetados, assim como aqueles com quem tiveram contacto. É neste manicómio que se desenrola a verdadeira história em “Ensaio sobre a Cegueira”.

Com o desenrolar da trama, apercebemo-nos que a personagem principal não é aquela que nos é apresentada em primeiro lugar, mas sim a mulher de um oftalmologista consultado pelo Primeiro Cego. A nenhuma das personagens lhe é atribuído um nome como António ou Francisco, ficamos a reconhecê-las por aquilo que representam na história e na sociedade, a maioria como uma personagem-tipo. A personagem principal fica conhecida pelo leitor enquanto Mulher do Médico.

Esta é a única personagem que, inexplicavelmente, mantém o sentido da visão e, por isso, acaba por ser os olhos do leitor durante toda a história. É a única que testemunha a loucura, violência e morte resultantes do instinto animalesco daqueles que a rodeiam. Com o acumular de situações vividas, atinge também ela um limite que a leva a agir de uma forma que nunca julgou possível.

A escrita de Saramago, pautada pela utilização única de vírgulas e pontos finais, permite-nos uma leitura atenta, através da qual podemos conhecer o íntimo das diferentes personagens. Exatamente pela especial atenção que dedicamos às palavras, damos por nós a refletir acerca da nossa sociedade — das atrocidades que ocorrem todos os dias, em nosso redor, e que escolhemos ignorar — e sobre o nosso papel enquanto cidadãos e atores sociais. Facilmente percebemos que este romance, escrito na década de 90, faz uma forte crítica à sociedade que continua atual.

Tendo agora presente o contexto da pandemia Covid-19, o “Ensaio sobre a Cegueira” faz-nos refletir acerca da solidão e pânico vividos no primeiro confinamento em Portugal, assim como acerca da violência instaurada pelas forças de segurança durante o confinamento em cidades como Xangai, na China. Acabamos por comparar os acontecimentos no manicómio com as nossas experiências e com notícias que nos são apresentadas todos os dias.

O Prosa no Ar é publicado no último sábado de cada mês. Somando o total de nove episódios, esta temporada está recheada de boas leituras e alguns convidados surpresa.

Texto: Inês Gomes
Design: Inês Trinca

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