Prosa no Ar. Olha da Rua
O segundo romance de Dulce Garcia pode ser considerado uma “fábula” do mundo contemporâneo, traçando uma profunda crítica à sociedade. A narrativa centra-se numa agência de publicidade, em Lisboa, na qual se decide adotar um novo método japonês de despedimento: os colaboradores que estão em risco de serem despedidos (ou de ir para o “olho da rua”) são convidados a escolher, entre si, quem deve sair da empresa. Esta estratégia pressupõe o despedimento de um dos colegas após várias reuniões de autoavaliação.
No próprio excerto introdutório a Olho da Rua, que resume a história de uma rapariga no Japão que, após ter cumprido 105 horas extraordinárias, se suicidou na noite de Natal, é expresso o tom de crítica presente na obra – neste caso, à sobrecarga e pressão do trabalho, do qual dependemos. O evento citado, no entanto, não coincide com a história narrada pela autora portuguesa.
O livro divide-se em duas partes. Ambas têm capítulos curtos que, alternadamente, dão a conhecer o ponto de vista mas, também, o passado das oito personagens principais. São elas: a Abelha, a Ursa, a Hiena, a Mulher, o Cisne Negro, a Mosca da Fruta, a Barata e a Coruja. Facilmente, o leitor consegue rever-se nestas personagens, graças a questões inerentes à sua história, desde o divórcio até à saúde mental.
A linguagem utilizada, aliada ao facto de os capítulos não serem extensos, contribui para que Olho da Rua seja uma leitura fácil e rápida – apesar de, por vezes, considerar a linguagem demasiado simplista. Já os nomes das personagens, apesar de engenhosamente empregues, podem dificultar a distinção dos intervenientes e resultar num jogo de “Quem é quem?”, cuja solução é mesmo voltar atrás na leitura.
Também a difícil tarefa de interpretar e narrar a história sob oito diferentes pontos de vista não foi, da melhor forma, executada. Alguns dos temas associados às personagens acabam por ser discutidos de forma mais superficial, e o enredo do despedimento cai para segundo plano ao ser-lhe concedida uma menor atenção do que à história individual dos colegas da agência. Se estes dois planos fluíssem, igualmente, ao longo dos capítulos, o leitor poderia disfrutar mais da trama que ocorre dentro da empresa, não sentido que o crime final foi como que arrastado para concluir a história. Este é um aspeto que, se explorado mais cedo, teria criado um maior crescendo.
Olho da Rua revela-se um livro promissor e original, mas que não foi concretizado com a mestria que se desejava. As críticas sociais são o ponto forte deste livro que, por se afastar daquele que diz ser o enredo principal, poderá não agradar a todos os leitores.
Escrito por Inês Gomes