Retornados. O êxodo da população portuguesa de Angola no pós-Guerra Colonial
O tema que aqui venho expor insere-se numa investigação por mim realizada para um trabalho universitário. Deste modo, nas linhas que se seguem, farei um resumo sobre a temática em análise: O êxodo da população portuguesa de Angola no pós-Guerra Colonial.
Primeiramente, importa perceber o contexto bélico no território angolano. Lutavam pelo país três movimentos de libertação: o MPLA, a FNLA e a UNITA. Após o 25 de Abril e o fim da guerra, o Estado Português pensou em criar um governo provisório com vista a futuras eleições livres, algo rejeitado sobretudo pelo MPLA e pela FNLA. Deste modo, a 18 de setembro de 1974, os oficiais portugueses decidiram entregar o poder aos movimentos guerrilheiros que até então tinham lutado pela independência do país. Para tal, foi realizada uma reunião no Algarve, de onde surgiu o acordo do Alvor. Entre os dias 10 e 15 de janeiro de 1975, após várias conversações, ficou decidida ‘’ a criação de um governo de transição, com um alto-comissário português e um colégio presidencial de três membros, um por cada um dos movimentos’’, tendo os já referidos movimentos a responsabilidade de organizar eleições para a Assembleia Constituinte no final de outubro desse ano.
A situação, contudo, acabaria por proporcionar uma guerra civil entre os três movimentos guerrilheiros, com vários ataques de parte a parte. Perante um cenário caótico, Portugal ‘’transferiu formalmente a soberania para o povo angolano’’ no dia 11 de novembro de 1975, o que levou o MPLA a proclamar a sua República Popular de Angola, em Luanda, e a FNLA, juntamente com a UNITA, a proclamar a República Democrática de Angola. Esse dia significou também a retirada das Forças Armadas Portuguesas, mas Portugal, fruto da proclamação de duas forças governativas distintas, decidiu suspender o reconhecimento de independência. Só no ano seguinte, em fevereiro de 1976, é que Portugal, através do seu ainda Presidente da República Costa Gomes, acabaria por reconhecer legitimidade ao governo liderado por Agostinho Neto, numa altura em que já não existiam dúvidas relativamente ‘’à vitória do MPLA e dos seus aliados cubanos’’
Assim sendo, toda a situação gerada em Angola teve influência direta na população portuguesa que residia no país. O primeiro caso que agravou a tensão social e política aconteceu após o dia 25 de abril de 1974, quando ocorreu ‘’o assassinato de um taxista branco no bairro da Cuca’’. Esse acontecimento desencadeou uma onda de agressões por parte das minorias extremistas brancas, que tiveram como resposta também ataques hostis, incluindo saques às suas residências. Toda esta situação marcou o ‘’início duma onda de violência racial que se prolongou nos meses seguintes’’.
Em Luanda, várias vezes o abastecimento à cidade foi cortado, não só de água e eletricidade, como também de combustível e pão. Os saques iam acontecendo por parte da população civil. Nas ruas, jaziam quantidades assinaláveis de cadáveres que não eram recolhidos e que iam entrando em decomposição. No hospital, a situação era de tal modo grave que as ‘’autoridades hospitalares pediram urgentemente donativos de sangue’’, para além de alertarem para a ‘’possibilidade de surtos epidémicos devido ao lixo amontoado nas ruas’’.
Os cadáveres à superfície eram cenário comum em Angola, não só nas cidades, como também no restante território. Um exemplo disso é noticiado no dia 28 de agosto de 1974, onde jornalistas encontraram, a três quilómetros de Luanda, ‘’uma vala comum cheia de cadáveres em adiantado estado de decomposição’’. Para além dos homens mortos, também ‘’corpos de mulheres e crianças barbaramente mutiladas foram encontrados em Luanda’’. Este cenário de matança indiscriminada foi um dos fatores mais influentes na decisão de muitos portugueses residentes em Angola regressarem a Portugal.
Assim sendo, Portugal decidiu criar uma ponte aérea para o retorno de portugueses que quisessem sair das ex-colónias. O crescente clima de insegurança, o escalar de violência entre os movimentos guerrilheiros e os confrontos entre a própria população ‘’acelerou a fuga maciça da população branca’’. Para tal, foram definidos como pontos de transporte os aeroportos de Luanda, Nova Lisboa e Sá da Bandeira, com o apoio das tropas portuguesas.
O êxodo de população foi sendo feito até ao dia 1 de novembro de 1975. Durante este período, algumas situações foram sendo noticiadas durante todo o processo, como o reduzido número de voos face à demasiada procura, ou a impaciência das pessoas que aguardavam por estarem tanto tempo confinados num aeroporto. Ainda assim, Portugal contou com apoio estrangeiro, uma vez que países como Inglaterra, Estados Unidos da América, República Federal da Alemanha, República Democrática Alemã, União Soviética e Checoslováquia ajudaram no transporte aéreo da população que pretendia sair de Angola para Portugal.
Aterrando no continente português, havia por parte dos ‘’retornados’’ um misto de emoções e indefinição quanto ao futuro. Muitos não tinham para onde ir, e viam-se obrigados a tornar sua casa as instalações do Aeroporto. Uma notícia do Diário de Notícias espelhou bem a postura das pessoas que chegavam. Tinham ‘’a angústia’’ e ‘’fadiga patente nos olhos’’, derivada de ‘’longas horas de espera e de voo’’. Já as crianças, sem uma clara noção de toda a situação, ‘’acusavam cansaço e impaciência’’. Uma notícia publicada no Jornal o Retornado mais de um mês depois de terminar a ponte aérea entre Luanda e Portugal referia que ainda havia pessoas que não tinham alojamento, e por isso se encontravam numa ‘’fase de esgotamento moral, fisicamente depauperadas’’ e reticentes quanto ao futuro.
O regresso em larga escala de milhares de pessoas provenientes de África originou a criação do termo ‘’retornado’’. Esta designação nasceu sobretudo devido à criação por parte do Governo português, no dia 31 de março de 1975, de ‘’um Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (I.A.R.N)’’. Assim, independentemente da naturalidade das pessoas que regressavam a Portugal, eram pela população e pela imprensa apelidados de ‘’retornados’’. Foi com o apoio do I.A.R.N que muitos deles conseguiram alojamento em pensões e hotéis. No entanto, o serviço oferecido nem sempre foi o melhor. Houve críticas ao Hotel Estoril Sol, que albergava 653 ‘’retornados’’, e que atentava, segundo o Jornal O Retornado, ‘’escandalosamente contra o Art.º 7 da Declaração dos Direitos do Homem’’65. Também o Hotel Cidadela de Cascais recebeu comentários negativos, escrevendo o mesmo jornal que teriam sido notadas ‘’provocações e ofensas aos retornados’’, bem como oferta de ‘’má alimentação’’, envergonhando assim ‘’a Indústria Hoteleira’’. Apesar disso, há também elogios a outros hotéis, como o Hotel Santa Rita e o Hotel Turismo da Ericeira, ambos considerados bastante atenciosos e prestadores de serviço de qualidade aos ‘’retornados’’.
Em Portugal, os ‘’retornados’’ utilizaram as manifestações para demonstrar desagrado perante todo o processo. O sentimento de injustiça social, aliado às dificuldades de integração e desapoio por parte do governo levaram a que, por várias vezes, saíssem à rua em protesto, uns com ânimos mais exaltados do que outros. A manifestação com maior aparato aconteceu quando 200 ‘’retornados’’ ocuparam o Banco de Angola, conseguindo entrar em contacto com o Ministro das Finanças. Como pedido, exigiam a troca imediata ‘’da moeda de Angola e de outras províncias ultramarinas pela moeda portuguesa emitida pelo governo português’’. No dia seguinte, as forças militares acabariam por entrar no banco, sendo que, segundo um ‘’retornado’’, a força policial ‘’entrou no edifício com a máxima correção’’. Uma entrevista concedida ao Diário de Notícias demonstrava o desespero que tinha levado um ‘’homem calvo e de olhos cavados’’ a cometer aquele ato: ‘’Andei 24 anos a trabalhar para não ter agora que comer. Valeu a pena cavar terra em Angola?’’.
Concluindo, quando se analisa toda a questão dos ‘’retornados’’, é preciso ter em consideração que estes se viram forçados a abandonar as suas vidas, muitas delas com dezenas de anos, para irem, de forma definitiva, para um país novo, ainda que seu, deixando tudo o que fora construído com o seu esforço para trás. Dados relativos a 1981 revelam que houve um êxodo de cerca de 290.504 indivíduos de Angola para Portugal, o que fez com que houvesse um grande impacto na sociedade portuguesa. Por ter sido tão rápido, houve um choque de realidades que levou a que houvesse um sentimento geral de revolta em relação a tudo o que foi acontecendo ao longo de todo o processo de regresso dos portugueses, neste caso não só de Angola, mas também das restantes ex-colónias.
Bibliografia utilizada neste artigo e que acho útil partilhar:
– Jornal O Retornado (S.L.,10 de outubro 197510 de abril 1976)
– Diário de Notícias (Funchal, 6 de junho 1975-24 de fevereiro 1976)
– PIMENTA, Fernando Tavares – “Causas do êxodo das minorias brancas da África Portuguesa: Angola e Moçambique (1974/1975)”, Revista Portuguesa de História, n.º 48, 2017
– PIMENTA, Fernando Tavares – “O Processo de Descolonização de Angola” in O Adeus ao Império. Organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro, Pedro Aires Oliveira. Lisboa: Nova Vega, 2017
– MACQUEEN, Norrie – A Descolonização da África Portuguesa. Lisboa: Editorial Inquérito, 1998