Sugestões para leituras de Verão
Verão. Para muitos a altura do ano em que mais lêem, há mesmo quem afirme não ter tempo durante o resto do ano e use esta estação como expurgador literário.
É a altura do ano em que faz calor (por norma), em que filas de carro se deslocam em direcção ao mar e à areia (e de volta para casa). Quem não goste de ler na areia, pode sempre sentar-se na espreguiçadeira, ou então somente no sofá, trazer a limonada (ou outra bebida à escolha) e recostar-se na busca do seu próximo livro preferido.
Se para alguns a lista de livros por ler é enorme e o difícil é escolher, outros há que não sabem mesmo o que ler. Para ambos, juntei nesta lista algumas sugestões de leituras para o verão (ou para qualquer uma das outras estações, o verão é só um pretexto).
A Amiga Genial, de Elena Ferrante
Nos últimos tempos tem estado em todo o lado no mundo da literatura. O que é curioso, especialmente sabendo que Elena Ferrante não é mais que um pseudónimo de alguém que ainda não assumiu a identidade desta escritora italiana. Inevitavelmente, tal gera curiosidade. Mas, mesmo sendo um factor fortíssimo no apelo desta obra, Ferrante tem feito o furor que tem feito por ser excepcional e por ter na sua escrita uma força fabulosa. A historia vem-lhe das entranhas.
Este é o primeiro volume de uma tetralogia, no qual acompanhamos a infância e adolescência das duas amigas Lenù (a narradora) e Lila, que mantêm entre si uma relação de amor/ódio, num misto de ciúme, dedicação e compreensão uma pela outra. Se ainda não aderiram à febre Ferrante, não vejo melhor altura que esta para se ser transportado para o meio de Napóles; para o meio da gritaria e da violência, mas também para o meio de uma busca identitária.
Cidade Aberta, de Teju Cole
Um jovem psiquiatra nigeriano, emigrado nos Estados Unidos da América, vagueia pelas ruas da cidade de Nova Iorque, primeiro, mas também pelas de Bruxelas e Lagos (a Nigeriana, não a portuguesa), enquanto reflecte sobre o espaço, físico e mental, que o rodeia; desde os pássaros que observa, à história dos locais onde se encontra e às pessoas que conhece pelo caminho. Teju Cole leva-nos, através de Julius, numa exploração das construções humanas: as físicas, como edifícios; as mentais, como as que usamos para interpretar o mundo; ou até as que misturam ambos os domínios, como a arte. As várias camadas sobrepõem-se num dos mais perfeitos e subtis exemplos de como a realidade daquilo que somos pode ser, afinal, uma ficção por nós construída e mantida.
O Retorno, de Dulce Maria Cardoso
A descolonização de Angola (e das outras colónias portuguesas) contada do ponto de vista de um rapaz, que, com a sua família, se vê obrigado a verificar que a bela metrópole da qual toda a vida ouviu falar, afinal não é melhor local que a Luanda que o viu crescer.
Rebenta a guerra e Rui e família são obrigados a sair à pressa de África. Apanham um avião e vêem-se alojados num quarto de hotel no Estoril. Um microcosmos que traz Africa até Lisboa, de onde nunca sairá. O espaço onde Rui vai crescer.
O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, de Yukio Mishima
Um escritor obcecado com a beleza, a perfeição e a honra. Viveu tarde demais para ser um Samurai, mas é sem dúvida um dos maiores guerreiros da literatura Japonesa. Suicidando-se através de seppuku quando falha uma tentativa de golpe de estado para restaurar o imperialismo japonês, deixa-nos uma obra perturbadoramente bela.
Neste livro particular leva-nos a acompanhar essencialmente duas personagens: o adolescente Noburu, bom aluno na escola mas secretamente parte de um grupo de rapazes violentos, e o marinheiro Ryuji, o novo companheiro da sua mãe.
Noburu vê em Ryuji um exemplo daquilo que gostava de ser, um exemplo de honra e dedicação a causas maiores, a exaltação do mar, mas as coisas mudam quando se apercebe que nem tudo é tão simples como parece.
Não Posso nem Quero, de Lydia Davis
Lydia Davis é uma escritora de pormenores, e é sempre a partir deles que constrói as suas histórias, algumas com extensão de várias páginas, outras de apenas uma linha, naquilo a que se pode chamar flash fiction. São acima de tudo retratos humanos, muitas vezes com um desconcertante sentido de humor satírico à mistura. Altamente original, provavelmente da ficção mais inteligente e precisa vinda de terras americanas. Vão dar por vocês a soltar gargalhadas ou a torcer a cara pela aparente simplicidade com que algo tão trivial consegue dar origem a algo tão bom.
Guerra e Paz, de Lev Tólstoi
Se por um lado se querem leituras leves no verão, por outro, qual a melhor altura para atacar os maiores colossos que não aquela em que temos mais tempo para lhes dedicar?
Já muito foi dito sobre esta obra, desde o seu tamanho, que a coloca entre as maiores da literatura mundial, à variedade que povoa toda a história. Um relato da vida de várias personagens, de diversas famílias, durante o período marcado pela invasão Napoleónica à Rússia, em 1812, é, acima de tudo, uma reflexão acerca do lugar do Homem no mundo. Há de tudo para nos deliciarmos: desde os enormes serões, salões e bailes da aristocracia russa do séc.XIX, com as respectivas intrigas, às mais exaustivas descrições bélicas, já que ao mesmo tempo que se vai acompanhando a vida em Moscovo e São Petersburgo, se vai acompanhando a campanha do exército Russo.
E mais, o que pode ser melhor que mergulhar em campos de batalha nevados, enquanto se está sob o sol tórrido, na areia?