Tank and the Bangas em Lisboa: a montanha-russa que insufla de vida
O público vai-se acumulando e chegando-se à frente; e, poucos minutos depois da hora marcada, já se sente o aconchego que os Tank and The Bangas tanto mereciam na noite da sua estreia em Portugal. Vêm de New Orleans, cidade portuária do estado do Louisiana, célebre pela sua ligação à tradição jazz e das big bands, com uma sensibilidade apurada para a música e para a dança. Aliás, é a própria vocalista principal, Tarriona “Tank” Ball, que o diz em entrevista à NPR: «New Orleans wants you to know (…) that it will be all right if we put a beat to your pain». Quando no início deste ano os Tank and the Bangas foram anunciados pela rádio americana NPR como os vencedores do Tiny Desk Contest, o projecto musical formado em 2011 ganhou asas e tornou-se uma das maiores bandas-sensação da actualidade.
Os instrumentistas vão ocupando as suas posições, debaixo de aplausos entusiásticos da plateia. Vêm sorridentes, emanando uma aura de energia positiva e construtiva. Temos todos a mesma expecativa: a de que vai acontecer magia no subsolo da Rua do Alecrim. O Musicbox, espaço mais que adequado para este abraço de boas vindas, começa por ouvir os acordes improvisados que entram com potência.
Momentos depois, eis que se abre a porta e Tank e a vocalista de apoio, Jelly, ocupam os seus lugares no palco. De concerto para concerto, Tank apresenta-se com um visual diferente – terá, porventura, o cabelo mais versátil do mundo do espectáculo. Na noite de Lisboa, apresenta-se de uma forma talvez mais sóbria que a habitual, com um vestido de padrão quase azejular.
E que começo estrondoso; recorrendo a um volume bastante mais alto que aquele que à partida esperávamos, e em contraste com a produção mais cristalina do Tiny Desk Concert que lhes catapultou a carreira. Eis que temos a ser interpretada diante de nós um alinhamento poderoso, divertido, criativo – na fusão melódica entre o jazz, a soul, o funk e o hip hop. Com espaço para as tocantes intervenções spoken word, que não raro se fixam a excertos de palavras, mantras repetidos e transformados no seio de cada uma das canções, ou na transição entre as mesmas. Afinal, o amor pela poesia e pela recitação é a semente criativa de Tank, que a conduz mais tarde à música.
A teatralidade é um dos maiores trunfos dos Tank and the Bangas. Esta surge mais claramente na interacção constante entre as duas vocalistas, mas também na forma como cada um dos instrumentistas incorpora cada um dos seus instrumentos, e se envolve na música de maneira assumidamente física – o flautista, no extremo direito do palco, está mais efusivo que metade da plateia.
Mas a técnica musical e instrumental, a voz poderosa entre a caricatura e a entrega apaixonada – todos estes elementos formam um conjunto que, ao vivo, ascende a uma realidade muito particular. Não é possível comparar-se o pálido álbum de 2014, o único editado até ao momento, com a força avassaladora que um concerto dos Tank and The Bangas gera. Talvez um disco futuro, com uma produção mais apurada, faça jus à magia que eles têm.
Houve tempo para interpretações de duas das canções do Tiny Desk Concert, “Boxes And Squares” e “Quick“. Também para outras canções desse primeiro e único álbum até ao momento. Apresentam-se vivas, orgânicas, coloridas. O público responde à altura. Dançamos, rimos, balançamos os braços, respondemos a cada provocação. No palco, a loucura de quem interpreta música sentida. A certa altura, Jelly faz girar a trança no ar ao jeito de um cowboy. Há intensidade do princípio ao fim, num concerto sem pausas e sem divisão entre as canções, mais de uma hora de um fluxo contínuo de energia positiva. Também com tempo para os olhares fixos no vazio, para uma vivência particular e interior.
Ficou provado que um concerto dos Tank and the Bangas é uma experiência única, surpreendente e transcendente, com o potencial que só uma grande banda pode evocar. Talvez a próxima vez que os vejamos por estes lados tenham ganho um estatuto incomportável para um espaço destas dimensões. Mas vamos recordar com carinho a noite em que, após uma saída de palco algo prolongada, regressaram devido ao grito cantado do público, que esticou por mais um par de minutos o coro da canção.
Regressam para interpretar uma última, um cover sentido e emocionado dos OutKast – “Hey Ya” iluminou a noite. No final, não conseguia deixar de me sentir amargurado pela ausência de “Rollercoasters“, potencialmente a melhor canção que o colectivo apresentou até hoje – mas foi muito mais aquilo que nos deixou que aquilo que guardou. Podemos até dizer que a própria banda é uma montanha-russa, sinal das marcas e tragédias que New Orleans não esquece, mas também da vida e do ritmo, que sempre resistem. Não havia mais por onde suar. Que regressem rapidamente, e que lancem o álbum de que são capazes.
Fotografias de Gabriel Margarido Pais / CCA