Entrevista. Mariana Duarte Mangas: “Ter uma doença mental não depende da nossa vontade ou da nossa inércia”

por Ana Monteiro Fernandes,    24 Maio, 2023
Entrevista. Mariana Duarte Mangas: “Ter uma doença mental não depende da nossa vontade ou da nossa inércia”
Mariana Duarte Mangas na tertúlia literária do Festival Mental/ Festival Mental

Mariana Duarte Mangas é psiquiatra e autora do livro “Não há mal que sempre dure” que, como a própria explicou à Comunidade Cultura e Arte (CCA), “indicia a urgência de se empreender uma atitude positiva face à doença mental, isto porque, como acrescentou, “o diagnóstico de uma doença mental não é uma sentença”, diz. A obra, que conta com ilustração da sua prima, Mariana Mangas, é para todos os públicos, mas há uma atenção especial para os jovens “uma vez que as doenças mentais surgem frequentemente durante a adolescência; 1 em cada 5 pessoas apresentam problemas de saúde mental clinicamente relevantes antes dos 25 anos de idade, dos quais 50% já apresentavam sintomas aos 14 anos de idade”, avança. O que torna, a seu ver, premente o reforço dos psicólogos nas escolas e uma maior “interligação entre a escola e as instituições de saúde”, reforça.

A autora e psiquiatra participou, dia 12 de Maio, na tertúlia literária que tinha, também, como objectivo discutir a saúde mental e a literatura infanto-juvenil, do Festival Mental, que decorre até dia 27 de Maio. Este foi mote para a presente entrevista com a CCA, na qual explicou que “os indivíduos que dizem “acalma-te… relaxa…“ podem ter boas intenções, mas o efeito na maioria das pessoas é o oposto e às vezes até pode agravar”, referiu. “Por vezes, ouvir as pessoas, validar os seus sentimentos e emoções e mostrar-nos disponíveis é o suficiente para ajudar”, ressalva.

O livro “Não há Mal que sempre Dure” vem com o seguinte acrescento, “saúde mental para todos”. O quão importante é desmistificar a saúde mental e aumentar a literacia de um público que não se encontra, ou ainda não se encontra numa situação de doença? É por esta via que a prevenção mas, também, a construção da empatia da sociedade por quem está a passar por um qualquer problema de doença mental pode ser feita?

Sabemos que ter uma doença mental não é o mesmo que ter uma perna partida ou hipertensão arterial ou diabetes — isto acontece porque a doença mental continua a ser estigmatizada e as pessoas com doença mental são alvo de preconceito e discriminação. A sociedade continua a pensar nas pessoas com doença mental como as “outras”, quando todos nós (diria que sem excepção) já sentimos dificuldades relacionadas com a nossa saúde mental. A literacia em saúde mental em Portugal é baixa, e sabemos que a promoção da literacia em saúde é determinante para que as pessoas estejam capacitadas a tomar decisões adequadas em saúde. Uma pessoa informada toma melhores decisões e, inclusivamente, adopta comportamentos protectores de saúde e de prevenção da doença.

Que importância tem o pensar-se na prevenção e não, apenas, na actuação sobre a doença?

A prevenção em saúde mental é essencial na minimização do impacto de uma doença mental. Com a prevenção pretendemos reduzir a incidência, prevalência e a recorrência de perturbações mentais e das suas incapacidades associadas.

Mas por outro lado, ter-se uma doença mental, também não tem de ser sinónimo de uma sentença, daí o título, “Não há Mal que sempre Dure”. Há janelas que podem ser abertas. Também é importante desmistificar isto?

A mensagem que se pretende passar é de optimismo e o título “Não há mal que sempre dure” indicia a urgência de se empreender uma atitude positiva face à doença mental. O diagnóstico de uma doença mental não é uma sentença — as doenças mentais têm tratamento e as pessoas com perturbações mentais, com o tratamento adequado, têm uma vida com qualidade, apesar da doença.

Além disso, pela forma como o livro está estruturado e, também, visualmente elaborado, poderia facilmente ser apresentado a um público juvenil. A saúde mental também pode ser abordada com os jovens desde cedo? Estes entendem, ou ainda há receio em abordar estes temas com um público mais jovem? Porque quis abrir o espaço para a comunicação com o público juvenil?

O livro foi escrito para jovens e adultos, com textos e ilustrações que incentivam à leitura, havendo uma particular atenção com a população jovem, uma vez que as doenças mentais surgem frequentemente durante a adolescência; 1 em cada 5 pessoas apresentam problemas de saúde mental clinicamente relevantes antes dos 25 anos de idade, dos quais 50% já apresentavam sintomas aos 14 anos de idade.

Com este livro pretendo de uma forma lúdica e descontraída, partilhar informação sobre saúde mental, para que os jovens cresçam mais informados, de forma a reconhecerem, gerirem e prevenirem a doença mental.

Quanto às ilustrações, de Mariana Mangas, como foi desenvolver o cruzamento do que é escrito com as ilustrações? Estiveram sempre em comunicação para levar o resultado final a bom porto, dando sempre ideias uma à outra ou, tal, não foi preciso? A ilustradora compreendeu logo a direcção que pretendia para o livro?

A ideia de realizar este livro foi minha, e na minha ideia do livro, ele surgiu sempre ancorado em ilustrações — porque sou apaixonada por ilustrações, e porque também achei que seria atrativo e lúdico. Automaticamente, pensei na Mariana para fazer este trabalho comigo. A Mariana, minha prima e amiga, é arquitecta de formação e ilustradora de coração. Era a pessoa ideal para este projecto e imediatamente embarcou comigo nesta aventura. Fomos sempre comunicando, mas ela é dotada de uma sensibilidade particular, compreendeu imediatamente a direcção que eu pretendia do livro. Para além das ilustrações, a Mariana foi responsável pela paginação e pelo design gráfico do livro.

Saiu relativamente há pouco tempo uma notícia que dizia que três em cada dez portugueses já foram diagnosticados com depressão. Essa mesma notícia visava também que seis já sentiram sinais da doença. O que tem a dizer sobre estes números e o que tem a dizer sobre o facto de Portugal ser dos países com maior taxa de depressão?

Esses números são perturbadores, mas não me surpreendem. A depressão é uma doença muito frequente. Após passarmos por uma pandemia, atravessamos agora uma crise económica e temos mais pessoas em risco de desenvolver quadros depressivos. Muitos desses casos não são graves, poderiam ser resolvidos com tratamento psicoterapêutico, infelizmente, a resposta do Serviço Nacional de Saúde a este nível é escassa ou não chega em tempo útil, o que dificulta o tratamento. Isto demonstra a necessidade de aumentar o investimento na Saúde Mental. É preciso olhar a Saúde Mental como uma prioridade e tendo como base um planeamento nacional.

Tem havido a percepção de que há, também, cada vez mais jovens, mais cedo, ou diagnosticados com doença mental ou, então, que apresentam sinais de alerta.  Por exemplo, já numa notícia de 2022 vinham estes números, “Depressão aumentou nos adolescentes e afecta 42% dos jovens”. Como psiquiatra vai tendo esta noção?

Apesar de na minha consulta só ver pessoas com mais de 18 anos de idade, vou tendo essa noção. Estes dados demonstram a necessidade, repito, de um maior investimento na Saúde Mental. São necessários mais profissionais de Saúde Mental nas escolas, nomeadamente psicólogos, assim como uma maior interligação entre a escola e as instituições de saúde.

Um dos estigmas que há em relação à doença mental é que é, apenas, um estado de preguiça ou, então, um estado de tristeza auto-inflingido, ou seja, a pessoa está assim porque quer. Porque é que não resulta dizer apenas a alguém com doença “anima-te” ou “mexe-te”?

É um dos principais mitos da doença mental, porém, é preciso repetir até à exaustão — a doença mental é real. Ter uma doença mental, não depende da nossa vontade ou da nossa inércia, pelo contrário, as causas da doença mental são complexas. As doenças mentais ocorrem quando o nosso cérebro não funciona de forma saudável, e manifesta-se através de sinais e sintomas que conduzem a uma perda de funcionamento, na forma como habitualmente nos relacionamos connosco e com os outros. Quando temos uma doença mental todas as áreas da nossa vida são prejudicadas: o estudo, o trabalho, o lazer, a família, o ser mãe ou pai, o casamento, as amizades, e, geralmente, há sofrimento associado.

Há uma parte do seu livro que diz, “… pessoas com ansiedade não podem acalmar-se”, no entanto, quando vemos alguém ansioso ou mais agitado é essa a tendência que temos, dizer acalma-te, porque achamos que é uma muleta útil quando estamos perante alguém para a qual não temos uma resposta mais válida, assertiva ou direccionada. Porque é que, ao contrário do que achamos, dizer “acalma-te”, às vezes, não acalma nada?

É um efeito paradoxal: quando alguém está ansioso, uma das coisas menos eficazes (e talvez mais irritantes) a se dizer é “acalma-te”. Os indivíduos que dizem “acalma-te… relaxa…“  podem ter boas intenções, mas o efeito na maioria das pessoas é o oposto e às vezes até pode agravar.  A ansiedade pode ser avassaladora e irracional, e tentar controlar os nossos pensamentos e emoções pode ser difícil. Por vezes, ouvir as pessoas, validar os seus sentimentos e emoções e mostrar-nos disponíveis é o suficiente para ajudar.

Tem uma página no facebook, também, “saúde mental para todos”. O que nasceu primeiro, a página, o livro, ou foi o livro que derivou da página?

 A página “saúde mental para todos” nasceu primeiro, em 2020, após ser declarada a pandemia da Covid 19. Neste contexto era essencial ajudar a reforçar a saúde mental da população e por isso criei a página. Nesta mesmo altura surge a ideia de escrever um livro que abordasse a saúde mental de forma simples, numa linguagem acessível, dirigido a miúdos e graúdos.

Pretende continuar com este tipo de comunicação mais directa?

 Sim, a ideia é manter trabalhos na área da saúde mental na comunidade, dirigidos à população geral e fortalecer a saúde mental de todos.

Que destaca ou o que tem a dizer sobre a sua participação no Festival Mental?

Há vários anos que sigo o Festival Mental e sou fã do Mental e dos seus organizadores. O Mental tem um historial reconhecido na área da promoção da saúde mental junto do público em geral, trabalho que admiro. Quando recebi o contacto da Ana Pinto Coelho a convidar-me para participar na tertúlia literária e apresentar o meu livro, foi uma honra, a dobrar, primeiro pela participação no Mental, segundo pelo reconhecimento do livro. A tertúlia decorreu num ambiente muito agradável e foi muito interessante a partilha de experiências entre os vários autores. Espero que seja a repetir! 

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