A dream pop dos The Fur. veio conhecer Portugal

por Tiago Mendes,    29 Maio, 2018
A dream pop dos The Fur. veio conhecer Portugal
Sofia Rodrigues / CCA
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Encontramo-nos numa esplanada no Cais do Sodré. As caras dos The Fur. revelam aquele deslumbre de quem experimenta a luz de Lisboa pela primeira vez, na digressão europeia que os traz finalmente ao sul do continente. Acabados de aterrar, com cafés em cima da mesa, os quatro membros da banda de dream pop desenrolam a conversa: sobre o percurso criativo, o futuro álbum de estreia, os concertos na Europa, e as suas bandas preferidas da actual cena musical taiwanesa (de onde são provenientes).

Estão ansiosos por tocar em Barcelona: o convite para o Primavera Sound foi, aliás, o que motivou a presente digressão. Aproveitaram a viagem ao lado oposto do globo para se apresentarem num conjunto de cidades dos países vizinhos. E, depois de ficarem a saber que também o Porto acolhe uma versão do mesmo festival, adicionam desde logo à lista dos seus planos futuros: ‘Queremos tocar no Primavera Sound do Porto!’.

A sonoridade indie pop dos The Fur. faz-nos sentir em casa; as duas únicas músicas que já lançaram incorporam esse sentimento de maneiras diferentes: ‘We Can Dance’ por meio de um ritmo bamboleante, com sabor a final de tarde descontraído e luminoso; e ‘Final Defense’ no embalo melódico da guitarra e dos sintetizadores, invocando um esperançoso ambiente nocturno. Mas as restantes canções que revelaram no concerto no Musicbox, para deleite de uma plateia que desconhece por completo a maioria dos temas interpretados, não fogem à mesma directriz. Parecem-nos familiares, estes acordes, porque se introduzem como se já os conhecêssemos, e nos põem a dançar à primeira audição.

Sofia Rodrigues / CCA

Ainda não temos um álbum dos The Fur. para podermos ouvir, mas não ficamos órfãos de audições: cada um dos membros da banda partilhou connosco o que anda a tocar na sua playlist pessoal. E que bonita forma de conhecer alguém: por aquilo que ouve. Savanna, vocalista, guitarrista e letrista do colectivo, partilha que não consegue deixar de ouvir o novo álbum dos Beach House, 7; Zero, o guitarrista principal e compositor de boa parte das canções, tem ouvido Jakob Ogawa, especificamente o álbum Bedroom Tapes; Wen Wen, a responsável pelos sintetizadores, aconselha o álbum de 1998 de Cornelius, Fantasma; e o produtor Patrick, que tem assumido o baixo ao longo da digressão, destaca Yellow Days. Banda que, aliás, terão a oportunidade de ouvir no Primavera.

Acompanhados da promotora Barking Dogs, passeamos pelas ruas de Lisboa com os The Fur, que sobem exaustos e deslumbrados até ao miradouro do Adamastor. É uma bonita introdução humana, num percurso que tantas vezes subvalorizamos por nos ser rotineiro, mas cujo valor é realçado pelo olhar de quem chega. Já à noite, é a vez de sermos nós a descobrirmos pela primeira vez os recantos das músicas da banda: a energia e o balanço dos temas fazem prometer uma estreia íntima e coesa. E o calor do público indicia uma boa recepção. Para já, esta breve passagem por Lisboa – e logo à noite pelo Porto, com concerto no Maus Hábitos – serviu de perfeita e acolhedora entrada na indie pop melódica e serena dos The Fur.

Quando é que se conheceram e decidiram formar o colectivo?

Savanna: O Zero e eu conhecemo-nos na universidade. Não começámos logo a trabalhar juntos. Depois do curso comecei a enviar-lhe trechos e ideias musicais, ele respondia-me com outros. ‘Final Defense’ foi a primeira música que fizemos. Na altura ainda não tínhamos ninguém para tocar os sintetizadores, o baixo, a bateria… ainda não conhecíamos os restantes membros da banda. O nosso baixista está neste momento a cumprir o serviço militar, e não pode sair do país. Por isso o nosso produtor está a substituí-lo no baixo ao longo desta digressão europeia.

O que vos inspira a fazerem música juntos? O que vos motiva?

Patrick: É por amor. É simples. Faço música com eles porque adoro fazê-lo. São boas pessoas e escrevem canções incríveis.

S: Fazemos música juntos porque nos parece a coisa certa a fazer. Sentimo-nos bem, é tão simples quanto isso.

De que fala o vosso primeiro single, ‘Final Defense’?

S:  Foi a primeira canção que lançámos na internet. Escrevi-a quando estava a terminar o meu curso da universidade, e fala sobre a defesa da tese final que precisava de apresentar. Tentei pôr na canção o sentimento de ter de terminar esse trabalho, e o desejo de ter uma vida diferente. Esse período da defesa final é muito cansativo, é uma luta. E tentei captar essa emoção na canção.

No que é que estão a trabalhar actualmente? Estão a gravar o vosso álbum de estreia?

S: Já compusemos a maioria das canções, e terminámos uma parte das gravações, mas ainda estamos a trabalhar nele, para o podermos lançar ainda este ano.

Sofia Rodrigues / CCA

Como está a correr a vossa digressão europeia? Já tocaram numa série de países: Reino Unido, Bélgica, Alemanha…

S: Neste momento estamos a sentir-nos incrivelmente bem por estarmos aqui em Portugal! É muito bom! Em relação à tour: inicialmente, uma parte difícil para nós era o facto de muita gente ainda não nos conhecer, por ainda não termos lançado nenhum álbum. Mas na realidade, quando lá estamos a tocar, as pessoas vêm ter connosco dizer que gostaram da nossa música… é uma experiência única. Estamos a adorar esta digressão. Mas gostávamos mesmo era de ficar aqui em Lisboa mais tempo!

Mas em Taiwan já começaram a angariar a vossa própria audiência?

S: Sim, temos um bom grupo de pessoas no nosso país que já nos conhecem e gostam de nós. Estamos muito felizes por isso.

Como descreveriam a cena musical independente no Taiwan?

P: É diferente da realidade europeia. Por norma, não temos promotores, agentes… a comunicação entre as bandas e as salas de espectáculos é muito mais directa.

S: É uma coisa que temos a evoluir no sistema, para que os músicos não tenham de se preocupar com as tarefas mais práticas e se possam dedicar mais ao trabalho criativo.

Mas têm muitas bandas novas a fazer boa música?

S: Sim, existem muitas bandas, e são muito boas.

P: Mas na nossa opinião, há um problema ao nível do público. Mesmo o público urbano, peca um pouco por não valorizar muito as artes e a música; falta algum interesse.

S: Sim. Isso leva a que poucas bandas consigam viver da música – é preciso conciliarem com outras fontes de rendimento para conseguirem sobreviver.

Sofia Rodrigues / CCA

Que bandas musicais taiwanesas gostariam de dar a conhecer ao mundo?

S: A melhor de todas: Sunset Rollercoaster! Têm de os ouvir! São mesmo bons. Lançaram agora um álbum novo, muito especial.

P: Eu gostava de destacar Sheng-Xian & Band. É um compositor que escreve no dialecto local hakka, uma das línguas falada no Taiwan. É um artista que se destaca por tocar diferentes instrumentos, normalmente não utilizados na música rock. Recria na guitarra sonoridades pouco habituais.

S: Uma outra de quem gostamos muito: os Everfor. Vão lançar um álbum novo este ano, e são nossos amigos. Ah, e os Shallow Levée! Vale a pena ir descobrir todos estes.

Quais são os maiores desafios para as bandas alternativas na era da internet? Se pudessem mudar alguma coisa na indústria musical actual, o que seria?

S: É uma pergunta complexa. Algumas bandas (por exemplo, em Taiwan) têm dificuldade em sair do seu país, e serem ouvidas internacionalmente. Mesmo havendo algumas bandas que conseguem, é uma oportunidade rara. E um outro desafio é: como contornar a classificação que a indústria nos impõe? Isto é, de não sermos a música de Taiwan. Que nos possam ouvir e pensem que somos uma banda de dream pop, e não uma banda de dream pop do Taiwan. Que o foco seja a música em si! Que seja partilhada e ouvida em todo o lado.

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