As origens e intrigas do Prémio Nobel
Química, Fisiologia ou Medicina, Física, Paz, Literatura e eventualmente Ciências Económicas. São estes os galardões atribuídos anualmente por instituições escandinavas de origem sueca e norueguesa a indivíduos que contribuíram para avanços científicos, sociais e culturais num plano global. Em Portugal, já ganharam dois, sendo eles Egas Moniz (Medicina, 1949) e José Saramago (Literatura, 1998). Entre menções recusadas e controversas, tudo começou no testamento do inventor sueco Alfred Nobel, o mesmo que descobriu a dinamite. Estabelecidos em 1895 e concedidos pela primeira vez em 1901, celebram-se os 115 anos do reconhecimento dos notáveis na sua vida e obra enquanto se conjuga ciência, sociedade e arte.
Alfred Nobel nasceu a 21 de outubro de 1833 em Estocolmo, capital sueca e local onde ocorrem as cerimónias de entrega dos galardões e dos respetivos diplomas. Crescendo no seio de uma família de engenheiros, a sua formação não foi alheia à ciência e tornou-se num químico, engenheiro e inventor conceituado na área da balística e da engenharia de armamentos. Para além da reputada dinamite, criou também a balistite e mais 353 invenções, dando origem a uma fortuna considerável a partir das patentes que criou. Em termos empresariais, investiu na siderurgia sueca Bofors AB e tornou-a numa das principais produtoras de armamentos.
Na escrita dos seus testamentos, e já sentindo a morte a solicitar a sua partida, deixou o último deles ao clube sueco-norueguês em Paris em 1895. Neste, anunciava que 94% da totalidade do seu património deveria de ser investido na criação de uma série de prémios que galardoasse aqueles que haviam contribuído para o melhor da humanidade. Apesar do ceticismo que rodeava esta pretensão, a mesma acabou efetivada em 1897, aprovada pelo parlamento norueguês e consolidada pela instituição Nobel Foundation, criada por Ragnar Sohlman e Rudolf Lilljequist.
Para a atribuição do Nobel da Paz, Alfred Nobel designou um comité específico para a mesma de origem norueguesa. Para além deste, outras instituições foram nomeadas para o efeito da concessão dos prémios, tais como a Royal Swedish Academy of Sciences, a Swedish Academy e o Karolinska Institutet. Na base desta pirâmide, estava a supramencionada Nobel Foundation, organização privada cujos fins passavam pela gestão dos galardões num âmbito nacional e internacional, estando à parte da seleção dos laureados. Na sua atividade, a sua atuação não se distingue muito de uma empresa de investimentos, criando uma base de fundos sustentável para garantir a normal prossecução da atribuição. Esta fundação tem em si cinco cidadãos suecos e noruegueses que funcionam como um comité e que é elegido pelas instituições nacionais auxiliares a esta fundação. As funções existentes são a presidência, a direção executiva e a vice-direção.
De forma sumária, apresenta-se de seguida uma lista que indica a instituição à qual corresponde a atribuição de um dado prémio:
- Ciências Económicas: Royal Swedish Academy of Sciences;
- Física: Royal Swedish Academy of Sciences;
- Fisiologia ou Medicina: Karolinska Institutet;
- Literatura: The Swedish Academy;
- Paz: Norwegian Nobel Committee;
- Química: Royal Swedish Academy of Sciences.
Estabelecidas as bases da sua atividade, os comités começaram a recolher as nomeações para a estreia da atribuição, enviando uma lista de candidatos preliminares para as instituições responsáveis por ofertar os galardões. A seleção, processo que demora à volta de um ano, conhece um caminho muito próprio e não passa incólume perante pareceres de peritos, que segmentam a lista de nomeados. Assim, e em 1901, os vencedores acabaram por ser unânimes exceto o de literatura, que muitos viam como favorito o russo Leo Tolstoy. Os galardoados foram assim o francês Sully Prudhomme na literatura, o alemão Wilhelm Röntgen (descoberta dos raios-X) na física, o também germânico Emil von Behring na medicina (desenvolvimento de uma antitoxina para tratar a difteria), o holandês Jacobs van’t Hoff na química (contribuições na termodinâmica química) e o suíço Jean Henri Dunant (fundador da Cruz Vermelha) mais o francês Fréderic Passy (criador da Liga da Paz) na paz (ambos na Aliança para a Ordem e Civilização).
Numa época em que se consolidava o prestígio do galardão, o banco nacional sueco celebrou o seu 300º aniversário doando uma franca quantia monetária à fundação. A partir desta oferenda, foi instituído o prémio relativo às ciências económicas. Os primeiros laureados foram Jan Tinbergen e Ragnar Frisch (desenvolvimento e aplicação de modelos dinâmicos para a análise de processos económicos).
Um dos pontos mais controversos da cronologia dos prémios tomou lugar na Segunda Guerra Mundial, em que o regime nazista impediu a aceitação do galardão por parte de três laureados. Apesar da neutralidade da Suécia no conflito bélico, a Noruega acabou por ser ocupada pelos nazis e, por isso, os prémios referentes à paz e à literatura não foram atribuídos. Só em 1944, e com três membros do comité norueguês exilados, é que o Prémio Nobel da Paz voltou a conhecer um nome próprio associado à sua distinção. Outras eventualidades que viriam a gerar polémica foram a atribuição do Nobel da Paz em 1973 ao político norte-americano Henry Kissinger, por virtude de um cessar-fogo entre estes e os vietnamitas. A situação desencadeou uma demissão em massa por parte de membros do comité norueguês. De igual forma mas com menor projeção foram as atribuições do mesmo prémio a Yasser Arafat (1994, esforços pela paz entre Israel e Palestina) e a Barack Obama (2009, pela mudança de paradigma na política vigente).
Igualmente intrigantes tornaram-se algumas omissões na consideração dos peritos de alguns nomes, tais como a embaixadora norte-americana Eleanor Roosevelt, o autor irlandês James Joyce ou “Mahatma” Mohandas Gandhi. O critério que proibia a atribuição de galardões póstumos acabou por ser madrasto mesmo para aqueles que faleceram meses antes da notificação. Outra das diretrizes acabou por delimitar o máximo de galardoados por categoria em três. Desta forma, anulou o consequente reconhecimento de equipas de investigação com mais membros do que esse número.
Também laureados em diversas categorias (a polaca Marie Curie surge à tona em virtude dos recebidos em Física e Química, em 1903 e 1911, pelos trabalhos desenvolvidos em prol da radioatividade), uns que receberam o mesmo Nobel em anos distintos (o norte-americano John Bardeen recebeu em 1956 e 1972 o da Química pelas investigações e descobertas na área da condução elétrica) e outros que recusaram o galardão (o francês Jean-Paul Sartre (1964) por recusar que a literatura se institucionalizasse; e Le Duc Tho (1973), por não reconhecer paz no Vietname) são nota de destaque nesta enumeração de circunstâncias. Desta feita, tornaram-se várias as peripécias pelas quais o desejo de Alfred Nobel atravessou.
Foi nesta viagem irregular mas consolidada pelas instituições escandinavas que se expressou a vontade de reconhecer aqueles que vinham trabalhando em prol do ser humano, da sua preservação e da sua valorização. Foi com base nestas premissas que Alfred Nobel destacou por escrito aquilo que queria que sobrevivesse como registo da sua vida e obra. Tornou-se assim um dos poucos que se viu mais conotado pelo que deixara como desejo do que pelo que havia feito. No entanto, foi na expressão do que queria que deu a conhecer a sua intenção para o mundo. Um mundo benevolente e referente à virtude do homem para si e para o seu semelhante.
“I would not leave anything to a man of action as he would be tempted to give up work; on the other hand, I would like to help dreamers as they find it difficult to get on in life.”
Citação da obra “Nobel, Dynamite and Peace” (1929), de Ragnar Sohlman e Henrik Schück.