Criolo leva-nos numa ‘Espiral de Ilusão’ pelo samba e pela tradição
No alto dos seus 42 anos, o rapper brasileiro Criolo voltou aos estúdios e lançou Espiral de Ilusão, o quinto álbum (quarto a solo) desde que iniciou a sua carreira discográfica, para lá do que vinha apresentando no MySpace aos ouvidos dos fãs do género musical. Este início foi consumado por Ainda Há Tempo (2006), que deu o mote para a fundação de várias iniciativas artísticas, de pendor multidisciplinar, com a fusão de exposições de fotografias e graffitis, para além das famigeradas batalhas de freestyle.
Entre participações cinematográficas – “Profissão MC” (2009) e “Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha” (2012), protagonizado por Ney Matogrosso – o músico gravou um DVD no ano de 2009, lançado no ano seguinte, de um concerto seu em São Paulo. Os anos seguintes a este trabalho vieram trazer uma variedade incomum no seio do rap, com utilização da guitarra, do piano, do baixo e do trompete, e que se corroborou em Nó na Orelha, o seu segundo disco. Este álbum tornar-se-ia uma referência da música canarinha na presente década, numa fusão entre estilos, que convidou o afrobeat, o reggae, o samba e o brega à inspiração do rap. Daqui, arrecadou uma série de prémios da MTV, incluindo o videoclip do ano em “Subirusdoistiozin”.
Em 2014, a tendência para trazer as convulsões sociais inerente ao rap foi importada para Convoque Seu Buda, terceiro disco, que teceria fortes críticas ao consumismo e à própria ostentação, para além da realidade do tráfico de crack no seu estado, São Paulo, e da própria especulação imobilária. A música africana permanece num diálogo com a música própria de Criolo, e que o acompanha, subtilmente, para Viva Tim Maia! (2015), álbum de tributo ao seu compatriota, gravado ao lado de Ivete Sangalo.
Este novo trabalho, Espiral de Ilusão, desdobrou-se no conhecimento instrumental variado que Criolo possui, soando a violão logo a primeira canção. Tudo isto marca, desde já, aquilo que é a toada de valores proposto pelo álbum, assente no samba pulsante na circulação dos brasileiros. “Lá Vem Você” não se prende, como a sua identidade o dita, com o rap convencional, suportando-se com um ritmo melódico e uma letra confortável. “Dilúvio de Solidão” incorpora em pleno a vibração associada ao samba tradicional, inspirando-se nas músicas que ecoam no Carnaval tipicamente brasileiro.
“Menino Mimado” atenua o entusiasmo, embora nunca se desvincule das proporções populares deste género musical, e recupera a tendência para a crítica social, para o mimo associado aos (emergentes) agentes políticos do conturbado quotidiano canarinho. Em “Nas Águas“, voltamos a experienciar a vontade de dar um passo de dança, ao som do ritmado e contemporâneo samba, importando alguma metafísica no elemento da água, associada aos orixás, muito presentes nas crenças brasileiras. Com “Filha do Maneco“, a direção assumida permanece a de folia, embora arrefecida e associada a um amor muito sentido, ligado à forma popular e pululante na qual os sentimentos e as emoções são interpretadas e assumidas.
Em caso de esquecimento que parte do melhor da música feita neste país lusófono vem da Bossa Nova, Criolo relembra essa evidência, sustentando essa premissa na forma como compõe e entoa “Espiral de Ilusão“, que transmite paz, embora não se consiga evadir da espiral da ilusão enunciada e revelada pela letra. A desilusão desse “desamor” leva a que os destroços se unam e se harmonizem nesta faixa, que dá o nome ao próprio álbum. O corpo volta a pedir que se dance, com o regresso do samba em “Calçada”. A canção volta a premir na revelação do “desamor”, mas que, por intermédio dos ritmos e das mexidas, conduz a essa superação e celebração desta mesma. É “Boca Fofa” que conclui este trabalho discográfico, numa nota alta e expansiva, com um reforço deste calor do discurso, e associando este ao valor de verdade do que é dito e sobredito.
Em suma, trata-se de um trabalho que amplifica aquilo que é o ser musical de Criolo, que já habituou os seus fãs a, mais do que meros raps, uma abrangência singular, determinada e complementada por uma carreira que foi abrindo horizontes. Transportando um calor mais maduro e ritmado, o brasileiro não contempla 2017 com as chamas irascíveis e arrebatadoras da sua atitude afrontadora, mas assume um caminho de graciosidade popular, de delicadeza musical. Por muito que não brade aos céus pelo despertar de consciências do país, a identidade brasileira é homenageada e salvaguardada por Criolo, num entoar anacrónico em desejo de diacronia.