O equilíbrio da alegria e tristeza em ‘Abysmal Thoughts’ de The Drums

por Bernardo Crastes,    29 Junho, 2017
O equilíbrio da alegria e tristeza em ‘Abysmal Thoughts’ de The Drums
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Os The Drums sempre foram uma banda saudosista. O seu som vai buscar o melhor que se fez no surf rock dos anos 60 e do post-punk dos anos 80, numa mistura melancólica adequada a quem quer dançar despreocupadamente ao som dos seus sentimentos mais negativos. Álbum a álbum, com mais ou menos experimentações sonoras, a banda foi perdendo um elemento, desde o quarteto de 2010 até ao projecto a solo do ano corrente. Isto comprova que, no fundo, este sempre foi o projecto de Jonny Pierce.

Em “Abysmal Thoughts”, Pierce tocou todos os instrumentos, escreveu todas as canções e produziu o álbum, que se afasta do som marcadamente composto por sintetizadores de Encyclopedia, de 2014. Aqui, o projecto volta às suas raízes rock e lembra-nos dos seus tempos idos de 2010, de forma adequada à nostalgia que a música dos The Drums instiga no ouvinte. Para quem viveu a revolução do indie rock que se iniciou no fim da década passada, na qual esta banda desempenhou um papel importante, o regresso deste som será bem-vindo.

Não há nenhuma “Let’s Go Surfing”, a canção que catapultou a banda para a fama indie, mas “Blood Under My Belt”, o primeiro single, chega lá perto, com o refrão contagiante e baixo saltitante que tornam a canção ideal para dançar na reclusão do nosso quarto. À boa maneira dos The Drums, a história triste (provavelmente associada ao divórcio por que Jonny passou) surge elevada pela melodia solarenga e dissimuladamente feliz, num casamento perfeito.

As canções soam simples e familiares, mas não se tornam redundantes, pela inclusão de pequenos elementos deliciosos. “I’ll Fight For Your Life” vai para lá da melodia básica devido ao sintetizador galopante e ritmo frenético, que a tornam num dos destaques do álbum. Os sintetizadores voltam a desempenhar um papel importante em “Your Tenderness”, conferindo suporte ao ritmo repetitivo. Tornam-se especialmente importantes no refrão, em que as suas sinuosidade e textura adicionam profundidade à canção e revelam uma preocupação redobrada com a produção musical, mais refinada que nos primórdios lo-fi da banda.

Em “Your Tenderness”, encontramos ainda a cereja no topo do bolo, um saxofone levíssimo que adiciona uma descontracção bem-vinda. Já o havíamos encontrado na canção imediatamente anterior, “Are U Fucked?”, uma belíssima canção sedutora, com um ritmo disco lento e um refrão bem humorado, que foge da fórmula geral da banda sem se perder da direcção que o álbum toma. Torna-se numa das canções mais interessantes, pela frescura que traz ao alinhamento.

“Head of the Horse” é uma balada diferente daquilo que a banda nos habituou. A aspereza da distorção da guitarra coaduna com a força emocional das letras, em que Jonny Pierce, homossexual assumido, nos dá um vislumbre do que foi crescer no seio de uma família religiosa. Põe-se na pele dos seus pais e canta-nos “Your sister got married fourteen times/But if you fall in love, son, that’s a crime”, apesar do seu pai apregoar o amor a partir do seu púlpito. No derradeiro golpe, que nos cria um nó na garganta, Jonny relembra “Well I fell in love and told them I was happy/My dad hugged me and said this would be the last hug”. São memórias que nunca o abandonam, e que voltam de tempos a tempos (“Here I go again/All these memories/Coming back at me”).

A imagem que a banda sempre passou nas letras das suas canções foi a destes tais pensamentos abismais citados no título do álbum (dizemos citados, pois as aspas fazem parte do título). O vocalista já se encontrou por diversas vezes à beira do abismo e a mortalidade é algo com a qual frequentemente se confronta. A melhor forma que encontrou de o fazer é através da música, cuja sonoridade Pierce gosta de tornar o mais antitética possível à toada das letras. Este confronto de dois extremos distintos é, quiçá, para além de uma afirmação estética e artística, um mecanismo de enfrentamento. Este álbum vem no seguimento de tumulto pessoal e social, pelo que a esperança que as canções inspiram soa crucial. Haja esperança na música dos The Drums.

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