Silva evoca a leveza e a beleza da vida em Cinco

por Bernardo Crastes,    11 Dezembro, 2020
Silva evoca a leveza e a beleza da vida em <i>Cinco</i>
Capa do disco
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Da última vez que nos encontrámos com Silva no nosso cantinho à beira-mar plantado, ele mostrou-nos o que é a brasilidade através da sua música e da de outros como ele, que se dedicam a mostrar essa emoção tão própria e bela. Desde os seus primórdios no chamado indie pop — nunca inteiramente abandonado — que Silva se tem vindo a aproximar de uma sonoridade mais próxima das suas raízes, tornando-se num dos príncipes da nova música popular brasileira. Esse estatuto consolidou-se quando lançou o seu anterior disco, Brasileiro, em que destilava todas as melhores influências em canções maravilhosas, tornadas suas pelo timbre doce da sua voz. No seu novo disco, Cinco, não cai na armadilha de replicar essa fórmula, expandindo a sua paleta a outros géneros e seguindo caminhos que transmitem a ideia de que este é o seu disco mais pessoal.

Não poderia deixar de ser assim, tendo em conta o controlo que o artista teve sobre a sua criação, tendo produzido e misturado o álbum ele mesmo. Cinco é o quinto lançamento de Silva, mas o seu óbvio título esconde outros significados, seja pela quantidade de letras no seu nome ou pela quantidade de vezes que afirma ter-se apaixonado na sua vida. A mensagem transmitida pelo artista é de inspiração, leveza e beleza, algo que se revela ao longo das 14 canções do álbum.

Cinco representa pra mim um novo ciclo em minha identidade como pessoa e artista.

Silva

O disco começa com o animado ska do primeiro single, “Passou Passou”, pontuado por trompetes e teclas que levantam os espíritos. Combina a descontracção típica de Silva com uma intensidade sónica nem sempre presente na sua música, num casamento que por vezes se torna algo cansativo e limitado, fruto da familiaridade e pouca plasticidade do ska. O truque volta a repetir-se na terceira canção, “No Seu Lençol”, que desacelera até à cadência do reggae, mas repetindo as escolhas sonoras, e mais uma vez, no seu novo dueto com Anitta, “Facinho”. A alternância e a curta duração das faixas reduzem o cansaço, mas o certo é que as canções pesam um pouco no alinhamento e não são tão entusiasmantes como “Não Vai Ter Fim”. Esta, apesar de ser também influenciada pelo reggae, vai-se expandindo e transformando-se em algo mais dinâmico, acompanhando o glorioso refrão que é uma ode ao amor (“O amor é parte de tudo / É parte do mundo / É parte de mim / Eu sei que esse amor / Não vai ter fim”). As suas texturas electrónicas lembram uma versão mais sonhadora da incontornável “Redbone”, de Childish Gambino, e são um belo piscar de olhos a um funk paciente que nos remete aos anos 70.

A estas quatro canções, contrapõem-se outras explorações de género que completam assim a primeira metade do disco. O sambinha do segundo single, “Sorriso de Agogô”, é marcado pelo “taque-taque” envolvente da bossa nova e elevado por trompetes que acompanham Silva enquanto ele tenta tirar-nos a poeira dos olhos e incitar à acção: “O depois a gente faz é agora / Não dá pra adiar”. “Pausa Para a Solidão” traz o sofrimento para a fila da frente, mas já em jeito de despedida catártica, com violão e violino a unirem-se numa melodia açucarada e bonita. “Jogo Estranho” desacelera até uma bossa lenta, mas com uma batida intrometida que deve mais ao dub, num casamento inusitado e bem interessante. Um violino atmosférico completa o cenário invulgar, que referencia um “amor de quarentena” pautado pela incerteza dos dias de hoje.

A segunda metade de Cinco é mais consistente e também mais apaixonante. O abrandar do ritmo assenta bem a Silva. “Quimera”, como o ser mítico que lhe dá o nome, combina em si diferentes influências — uma batida soul, guitarra da bossa nova e sintetizadores cintilantes —, formando uma canção bem polida e tranquilizante, à semelhança do dueto com João Donato, “Quem Disse?”. A música puxa mais para a herança de João, mas Silva polvilha-a com uma entrega mais grave e sedutora, como se nos sussurrasse ao ouvido. No entanto, a mais bonita canção talvez seja a mais esparsa, a acústica “Não Sei Rezar”. O seu refrão é incontornável e a sua melodia noturna, tão próximos que soam como se Silva estivesse a tocar a canção para cada um de nós num alpendre tropical, deitado numa cama de rede.

No entanto, mesmo quando o ritmo sobe já mais para o fim, as canções não se perdem. “Furada” resgata os timbres do ska inicial, mas num formato mais de música de big band, divertido e dançável. Para o final, Silva reservou-nos uma celebração com o samba pagodeiro de “Má Situação”. Já imaginamos a canção a substituir “Canta Canta Minha Gente” no próximo concerto do artista em Lisboa.

A primeira metade inconstante acaba por minimizar o bom sabor deixado pela óptima contraparte, inspirando menos replays do que aqueles que um disco tão rico como Cinco merece. Mesmo assim, cumpre bem o objectivo delineado por Silva, o de nos mostrar que “a vida, mesmo quando dura, vale ser vivida com leveza e beleza”.

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