Prosa no Ar. “Sou um Crime”

por ESCS FM,    11 Março, 2023
Prosa no Ar. “Sou um Crime”
Design de Inês Trinca

Em fevereiro, o Prosa no Ar leu Sou um Crime, a autobiografia do humorista Trevor Noah. Ao longo de curtos capítulos, o autor, que nasceu e cresceu na África do Sul, conta como foi crescer durante o apartheid, sendo ele fruto de um crime: Trevor é filho de pai branco e mãe negra e, nessa época, na África do Sul, misturar raças era “um crime pior do que a traição”.

Trevor Noah recorda algumas traquinices que fez em criança, como quando acidentalmente incendiou uma casa, assim como brincadeiras com amigos e os primeiros amores. Aborda, também, temas mais pesados, como o racismo que via acontecer à sua volta – por exemplo, sentia que os avós e os tios o tratavam melhor do que tratavam os primos de pele negra –, violência doméstica – lembrando todas as vezes que a mãe tentou fazer queixa do marido à polícia, mas sem sucesso, a situação era completamente desvalorizada –, e a pobreza da sua família e da sociedade onde vivia. Trevor, várias vezes, retrata como as famílias negras viviam em  casas que demoravam gerações até estarem terminadas. Mostra-nos muitas vezes, mas sempre de forma diferente, que “há pessoas a sofrer, e lá porque não somos vítimas de racismo, isso não quer dizer que ele não exista, que não aconteça”.

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Ao longo de todo o livro, são intercaladas memórias com lições que a mãe de Trevor lhe dava, como, por exemplo: “Aprende com o teu passado e sê melhor por causa dele, mas não te lamentes por causa do passado. Viver é sofrer. Deixa que a dor te estimule, mas não te prendas a ela”. Aprendeu com ela que as experiências o tornavam mais rico do que propriamente o dinheiro, e guardou todas as palavras sábias que lhe dirigia, que, como ele próprio diz, fizeram dele o homem que é hoje.

A mãe nunca tinha medo de nada, porque acreditava que Deus estava sempre com ela, como Trevor refere tantas vezes ao longo da história. O comediante cresceu, de facto, com uma mãe muito crente, mas muito independente também. Dizia que a sua principal missão era alimentar tanto o corpo, como a mente e o espírito do filho.

Noah consegue trazer o humor e, ao mesmo tempo, a seriedade necessária para captar a atenção do leitor e comovê-lo, através da narração de momentos difíceis que viveu, como crescer numa família pobre (a nível financeiro), viver numa sociedade completamente racista e machista: uma realidade que a maioria desconhece, pelo menos a um nível  tão extremo, ou, se conhece, vê-a como uma realidade muito distante, tornando-nos um pouco egoístas, apenas preocupados com o nosso próprio umbigo. O autor consegue tornar-nos mais despertos para o mundo.

Texto de Teresa Freire.

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